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"MORTE SEM FIM E OUTROS POEMAS"
Pela tradição, Gorostiza põe modernidade em xeque
RODRIGO PETRONIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ainda está por ser reavaliada
a importância do grupo de
poetas e artistas que se uniram em
torno da revista "Contemporâneos", que durou de 1928 a 1931, e
que leva o seu nome. Contava sobretudo com poetas, como Xavier
Villaurrutia, Salvador Novo, Carlos Pellicer, Jorge Cuesta, entre
outros.
Por isso, é urgente não apenas
situá-los dentro do contexto da literatura de seu país, mas sim na
dimensão internacional que lhes é
justa, tendo em vista o valor de
suas obras e de sua atuação.
À essa época, o México vivia
uma efervescência artística. Depois do impulso às letras hispano-americanas dado pelo gênio do
nicaragüense Ruben Darío (1867-1916), e tendo às costas antecedentes em terra pátria, como o
grande poeta Ramón López Velarde (1888-1921), os artistas desse
período encarnam, à sua maneira,
um movimento geral de adesão
aos modernismos e às vanguardas, então em erupção em diversos países. A cena mexicana contava com uma arte mais oficial e
engajada, notadamente conhecida pela pintura muralista de Diego Rivera e Frida Khalo, de um lado, e com o movimento estridentista, inspirado no futurismo italiano, de outro.
Ambas eram de forte teor político, quer valorizando a máquina e
o progresso, quer fazendo da arte
um veículo nacionalista (dir-se-ia
populista) do substrato popular
autóctone, ideologicamente afinado com a Revolução Mexicana
que se iniciou com a queda da ditadura de Porfírio Díaz, em 1910.
Aqui reside a importância do grupo Contemporâneos: traçando
um percurso político e estético
singular, eles vão fornecer uma
terceira via para a arte.
Filiando-se às correntes internacionalistas, estarão mais sintonizados com a vanguarda espanhola, a famosa Geração de 27, e
com o modernismo francês e inglês, do que com as propostas de
seus conterrâneos.
Modernidade
Não é por outro motivo que serão a bússola da geração subseqüente, que tem em Octavio Paz
seu nome mais ilustre. Em certo
sentido, irão inserir a literatura
mexicana na tradição da alta modernidade, e, podemos dizer, até
pôr em xeque esta modernidade,
como é o caso da obra pequena,
porém essencial, de José Gorostiza (1901-1973), cujo livro seminal
"Morte sem Fim" acaba de ser publicada em belíssima edição da
Edusp em parceria com o Fundo
de Cultura Econômica, com ótima tradução e introdução esclarecedora, assinadas pelo poeta e crítico Horácio Costa.
A poesia de Gorostiza se abre
para uma série de abordagens.
Sua forte cultura literária, notável
em seus ensaios e conferências, e
seu trabalho como diplomata lhe
facultaram duas coisas essenciais:
um conhecimento interno das
formas poéticas e uma série de vivências mundanas, que ajudaram
a concentrar, na poesia, sua visão
de mundo. Assim conferiu força a
seus versos, lendo em chave moderna uma tradição que em si
mesma já é rica: a lírica ibérica.
Sua obra revisita os romanceiros, de origem medieval, as barcarolas, as albas, as quadras populares, e neles encontra um ingrediente eficaz para a sua matriz
poética, que é a melancolia. Recuperada pelo olhar do presente, a
tradição não é monumento, mas
doce murmúrio da brisa que sopra de tempos imemoriais. O enfermo, o ancião, motivos marítimos, a tempestade, um grupo de
mulheres, vaga-lumes, canções
marítimas e paisagens portuárias
ganham em sua mão uma meditação profunda sobre a nossa
transitoriedade e finitude.
Vôo de inteligência
Essa orquestração vai culminar
com o longo poema que dá título
ao volume, e que é provavelmente
uma das peças mais complexas da
poesia do século 20. Meditação
metafísica sobre a morte, o bem, o
mal, os limites da consciência e a
torrente vital que ela encerra, colhida na metáfora singela de um
copo e o que ele retém. O poema
"Morte sem Fim" é um vôo da inteligência que se desencarna e
prova os limites da linguagem
diante de uma experiência-limite
de compreensão do cosmos. Não
obstante, já foi comparado a um
outro poema também escrito em
forma de silva, o "Primero Sueño", da também mexicana Sóror
Juana Inés de la Cruz (1651-1695),
um dos pontos mais altos da poesia em castelhano.
Não satisfeito em ser moderno e
infenso à tola vaidade de querer
ser um homem de seu tempo, Gorostiza preferiu ser contemporâneo de todos os tempos, unidos
pelo tear infinito da linguagem.
Para ela, como sabemos, tempo e
espaço pertencem a um outro domínio, que nos transcende e que
não pode ser mensurado ou reduzido ao nosso presente pobre e
precário.
Assim, sua poesia conseguiu
ser, se não eterna, extemporânea,
o que talvez seja uma conquista
ainda maior.
Morte sem Fim e Outros Poemas
Autor: José Gorostiza
Tradução: Horácio Costa
Editora: Edusp/Fundo de Cultura
Econômica
Quanto: R$ 40 (232 pág)
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