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O avesso do Oscar
Criador do Framboesa de Ouro, dedicado aos piores filmes do ano, fala sobre a invenção do prêmio e lembra o dia em que Halle Berry apareceu para receber sua "estatueta"
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Hollywood respira aliviada: o
fim da greve dos roteiristas,
confirmado ontem, é a senha
para voltar a estender os tapetes vermelhos, apertar-se em
modelitos desenhados pela elite da moda e exibir os sorrisos
amarelos de "perdedor fair
play". Mas, mesmo em tempos
de racionamento de estatuetas
-o Globo de Ouro, o WGA
Awards e o People's Choice
Awards deste ano foram cancelados-, há uma festa para a
qual ninguém em Los Angeles
faz questão de ser convidado: a
da entrega dos Golden Razzies
(ou Framboesas de Ouro), que
acontece no próximo dia 23.
É que a fruta dourada é entregue anualmente, na véspera
do Oscar, aos piores trabalhos
em 11 categorias: filme, diretor,
roteiro, atriz, ator, ator e atriz
coadjuvantes, casal, remake ou
cópia descarada, desculpa para
um filme de terror e "prequel"
(espécie de prólogo para uma
história desenvolvida em outro
filme) ou seqüência.
A gaiatice chega neste ano à
28ª edição, tendo "Eu Sei Quem
me Matou", estrelado por Lindsay Lohan, como franco favorito (com nove indicações).
O criador e mestre-de-cerimônias do Framboesa, John
Wilson, conta à Folha, por telefone, que teve a idéia de laurear
os desempenhos mais pífios do
showbiz no fim do verão de
1980, depois de se aventurar
-para seu eterno arrependimento- numa sessão dupla de
"Xanadu" (com Olivia Newton-John, de "Grease - Nos Tempos
da Brilhantina") e "Can't Stop
the Music" (com a trupe do Village People). "Mesmo só tendo
pago US$ 0,99 pelo ingresso,
quis meu dinheiro de volta. O
dono do cinema não topou devolver, então pensei: "Esses filmes são tão ruins que merecem
um prêmio"."
E levaram: em 31 de março
de 1981, na sala de estar da casa
de Wilson, "Can't Stop..." faturou os primeiros Framboesas
de pior filme e roteiro, e "Xanadu" inaugurou a categoria de
pior diretor. Votaram os cerca
de 40 convidados da festa que o
anfitrião organizara para assistir à transmissão do Oscar.
"Se você vai fazer sátira ou
paródia, precisa partir de algo
com que as pessoas estejam familiarizadas. O Oscar é pomposo, autocentrado e irrelevante.
Com milhões de americanos
atualmente sem saber se conseguirão pagar por suas casas,
não acho que estejamos preocupados com um homenzinho
de ouro que uma estrela de cinema que ganha US$ 20 milhões possa vir a receber", avalia Wilson, que se gaba de ter
44 Estados americanos e 18
países representados pelos 750
membros de sua "academia".
Halle Berry
Cinéfilos, montadores, compositores e jornalistas constituem o grosso do eleitorado, segundo o criador dos Razzies.
John Waters (diretor do primeiro "Hairspray" e da fita B
"Pink Flamingos") é o membro
mais célebre. Para entrar para o
grupo, é preciso pagar uma taxa
de US$ 25 (R$ 43,6).
Os "vencedores", obviamente, não costumam aparecer para receber seus troféus. Mas,
três anos depois de receber o
Oscar por "A Última Ceia", a
atriz Halle Berry topou ir à festa de 2005, quando foi reconhecida por seus remelexos em
"Mulher-Gato".
"Com o Razzie numa mão e o
Oscar na outra, ela deu uma
bronca "de mentirinha" em seu
empresário por não ter lido o
script, admitiu que não entendia o que o diretor [o francês Pitof] falava e agradeceu à sua
preparadora", lembra Wilson.
"Gera tanta boa vontade
quando alguém da estatura de
uma Halle diz: "Errei neste filme, tentarei melhorar"... É cativante e brilhante em termos de
estratégia de carreira."
Wilson acha que Lindsay Lohan, a jovem atriz que anda
rendendo mais manchetes por
seus porres e suas internações
em clínicas de reabilitação do
que por seu trabalho (e tem
duas indicações ao Framboesa
2008), poderia se valer do expediente. "Se ela aparecesse
-sóbria, obviamente- e fizesse um discurso engraçado, poderia reconquistar boa parte da
simpatia que despertava antes
das besteiras que fez."
Framboesa no eBay
Quem dificilmente mudará a
má impressão deixada na "academia" do Framboesa é o ator
Ben Affleck. Em 2004, ao ser
indicado por "Contato de Risco", ele disse a uma publicação
européia que iria à cerimônia.
Com o resultado em mãos, Wilson ligou para o assessor do
ator e oficializou o convite. Ele
não apareceu e, dias depois, numa entrevista coletiva, disse
que não fora chamado.
Wilson decidiu então levar o
prêmio até o seu dono, que daria uma entrevista no talk-show de Larry King. "Quando
ele recebeu o Framboesa, a estatueta simplesmente quebrou
em sua mão. Ele reclamou que
era vagabunda, que não estava
no nível dele. Recuperei-a, coloquei-a à venda no [site de leilões] eBay e, com o dinheiro,
paguei o aluguel do salão para a
cerimônia do ano seguinte."
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