São Paulo, quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

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O avesso do Oscar

Criador do Framboesa de Ouro, dedicado aos piores filmes do ano, fala sobre a invenção do prêmio e lembra o dia em que Halle Berry apareceu para receber sua "estatueta"

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Hollywood respira aliviada: o fim da greve dos roteiristas, confirmado ontem, é a senha para voltar a estender os tapetes vermelhos, apertar-se em modelitos desenhados pela elite da moda e exibir os sorrisos amarelos de "perdedor fair play". Mas, mesmo em tempos de racionamento de estatuetas -o Globo de Ouro, o WGA Awards e o People's Choice Awards deste ano foram cancelados-, há uma festa para a qual ninguém em Los Angeles faz questão de ser convidado: a da entrega dos Golden Razzies (ou Framboesas de Ouro), que acontece no próximo dia 23.
É que a fruta dourada é entregue anualmente, na véspera do Oscar, aos piores trabalhos em 11 categorias: filme, diretor, roteiro, atriz, ator, ator e atriz coadjuvantes, casal, remake ou cópia descarada, desculpa para um filme de terror e "prequel" (espécie de prólogo para uma história desenvolvida em outro filme) ou seqüência.
A gaiatice chega neste ano à 28ª edição, tendo "Eu Sei Quem me Matou", estrelado por Lindsay Lohan, como franco favorito (com nove indicações).
O criador e mestre-de-cerimônias do Framboesa, John Wilson, conta à Folha, por telefone, que teve a idéia de laurear os desempenhos mais pífios do showbiz no fim do verão de 1980, depois de se aventurar -para seu eterno arrependimento- numa sessão dupla de "Xanadu" (com Olivia Newton-John, de "Grease - Nos Tempos da Brilhantina") e "Can't Stop the Music" (com a trupe do Village People). "Mesmo só tendo pago US$ 0,99 pelo ingresso, quis meu dinheiro de volta. O dono do cinema não topou devolver, então pensei: "Esses filmes são tão ruins que merecem um prêmio"."
E levaram: em 31 de março de 1981, na sala de estar da casa de Wilson, "Can't Stop..." faturou os primeiros Framboesas de pior filme e roteiro, e "Xanadu" inaugurou a categoria de pior diretor. Votaram os cerca de 40 convidados da festa que o anfitrião organizara para assistir à transmissão do Oscar.
"Se você vai fazer sátira ou paródia, precisa partir de algo com que as pessoas estejam familiarizadas. O Oscar é pomposo, autocentrado e irrelevante. Com milhões de americanos atualmente sem saber se conseguirão pagar por suas casas, não acho que estejamos preocupados com um homenzinho de ouro que uma estrela de cinema que ganha US$ 20 milhões possa vir a receber", avalia Wilson, que se gaba de ter 44 Estados americanos e 18 países representados pelos 750 membros de sua "academia".

Halle Berry
Cinéfilos, montadores, compositores e jornalistas constituem o grosso do eleitorado, segundo o criador dos Razzies. John Waters (diretor do primeiro "Hairspray" e da fita B "Pink Flamingos") é o membro mais célebre. Para entrar para o grupo, é preciso pagar uma taxa de US$ 25 (R$ 43,6).
Os "vencedores", obviamente, não costumam aparecer para receber seus troféus. Mas, três anos depois de receber o Oscar por "A Última Ceia", a atriz Halle Berry topou ir à festa de 2005, quando foi reconhecida por seus remelexos em "Mulher-Gato".
"Com o Razzie numa mão e o Oscar na outra, ela deu uma bronca "de mentirinha" em seu empresário por não ter lido o script, admitiu que não entendia o que o diretor [o francês Pitof] falava e agradeceu à sua preparadora", lembra Wilson.
"Gera tanta boa vontade quando alguém da estatura de uma Halle diz: "Errei neste filme, tentarei melhorar"... É cativante e brilhante em termos de estratégia de carreira."
Wilson acha que Lindsay Lohan, a jovem atriz que anda rendendo mais manchetes por seus porres e suas internações em clínicas de reabilitação do que por seu trabalho (e tem duas indicações ao Framboesa 2008), poderia se valer do expediente. "Se ela aparecesse -sóbria, obviamente- e fizesse um discurso engraçado, poderia reconquistar boa parte da simpatia que despertava antes das besteiras que fez."

Framboesa no eBay
Quem dificilmente mudará a má impressão deixada na "academia" do Framboesa é o ator Ben Affleck. Em 2004, ao ser indicado por "Contato de Risco", ele disse a uma publicação européia que iria à cerimônia. Com o resultado em mãos, Wilson ligou para o assessor do ator e oficializou o convite. Ele não apareceu e, dias depois, numa entrevista coletiva, disse que não fora chamado.
Wilson decidiu então levar o prêmio até o seu dono, que daria uma entrevista no talk-show de Larry King. "Quando ele recebeu o Framboesa, a estatueta simplesmente quebrou em sua mão. Ele reclamou que era vagabunda, que não estava no nível dele. Recuperei-a, coloquei-a à venda no [site de leilões] eBay e, com o dinheiro, paguei o aluguel do salão para a cerimônia do ano seguinte."


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