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Comentário/"Globo Repórter"
Programa trata espectador como criança
EDUARDO ESCOREL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um espectro ronda a Rede
Globo. Pode ser visto todas as
sextas-feiras, às 22h30. Chamado de "Globo Repórter",
passou por mudanças desde
1973, quando estreou. Perdeu o
vigor original que manteve em
algumas fases.
No programa exibido no último dia 5 de fevereiro, além de
gravar as intervenções do apresentador e a narração, a equipe
do "Globo Repórter" se limitou
a traduzir um filme coproduzido por diversas emissoras de
televisão europeias.
Por coincidência, ou não, o
filme original, tratando das reações neurológicas provocadas
pela paixão, tem ingredientes
semelhantes às novelas produzidas pela emissora.
Em Paris, os personagens de
um triângulo amoroso participam de um reality show privado, cujo desfecho é uma noiva,
em pleno altar, decidindo entre
dois pretendentes. Tudo a pretexto de fazer uma divulgação
científica.
Mesmo com a narração tonitruante, o espectador incauto,
ou sonolento, tem dificuldade
de perceber que a novela "Viver
a Vida" e o reality "Big Brother
Brasil" terminaram.
Transformado em mistura
de novela e reality show, o
"Globo Repórter" atenta contra
o jornalismo.
O que o filme original tem de
mais elaborado são as animações dos órgãos do corpo reagindo ao estímulo da paixão.
Mas, quando cintilações são
aplicadas à imagem dos atores,
o resultado é ficarem parecidos
com personagens de Peter Pan.
Assim como os dois programas que o precedem, este "Globo Repórter" procura infantilizar os espectadores.
Frases ditas na narração como "o amor afeta o cérebro como um doce"; "para a ciência o
beijo é a primeira penetração";
"o cérebro toma a rédea da
odisseia mágica do corpo apaixonado" etc. dão uma ideia da
qualidade do texto e do nível da
divulgação científica, inapropriados até mesmo para pré-adolescentes.
No horário em que é exibido,
um adulto no pleno exercício
de suas faculdades mentais não
pode deixar de se sentir tratado
como criança e desrespeitado,
além do mais, pelo bombardeio
da publicidade nos intervalos
-dez comerciais no primeiro e
14, no segundo.
No final, o convite feito aos
espectadores para contarem o
que sentiram ao passar pela
"revolução interna de uma
grande paixão", enviando depoimentos gravados em vídeo
ao site do programa, é um fecho
glorioso na tentativa de o "Globo Repórter" transformar a vida em espetáculo.
EDUARDO ESCOREL é cineasta
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