São Paulo, terça-feira, 14 de março de 2006

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MÚSICA/CRÍTICA

Encontro reafirma modernidade de Donato e Johnny Alf

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

João Donato é daqueles raros artistas que, aos mais de 40 anos de carreira, ainda tem muito a dizer. Melhor pianista brasileiro, ponto, consegue fazer de cada momento musical seu auge. Cada vez que sobe ao palco e senta-se ao piano, sabe-se que aquele é um momento único e inimitável -sua criatividade é tanta que a cada apresentação Donato foge dos próprios clichês e continua criando, criando.
Com qualquer formação, apresentação de Donato hoje em dia é imperdível. Da maneira que aconteceu no último final de semana, no auditório Ibirapuera -com sua banda completa, piano, baixo, bateria, trompete, sax, os sons e efeitos de seu filho Donatinho e mais convidados-, o evento se torna histórico.
Liderando tudo de trás de seu piano, com seu suingue relax, ele canta músicas novas, reapresenta seus clássicos, improvisa, passeia pelo jazz latino, pelo samba, brinca com as 88 teclas, e deixa o groove correr solto com sua banda.
De pérolas de seu repertório como "Minha Saudade", "O Sapo", "Bananeira" e "Amazonas" a novidades como a divertida "Suco de Maracujá", parceria recente com Martinho da Vila, Donato instaura no palco clima leve e divertido, tão clássico quanto moderno, em versões tão diferentes quanto interessantes.
Nos dois primeiros dias, ao lado de convidados jovens como Max de Castro, Junio Barreto, Moreno Veloso e Davi Moraes, imperou o clima de modernidade setentista. Donato se sentia à vontade como um garoto, esbanjando sua naturalidade, sempre moderno, dialogando com os convidados.

Improvisos
No terceiro dia, o encontro com Johnny Alf reafirmou a sempre comentada modernidade pré-bossa dos dois músicos. Johnny entrou no palco apresentado como "pessoa maravilhosa e grande amigo" e aplaudido de pé, com seu olhar tímido e andar calmo.
Sentado em um piano de cauda do outro lado do palco, espelhado com o de Donato, bisou a interpretação que gravou no songbook do anfitrião em 1999, tocando e cantando "Quem Diz que Sabe".
A curiosidade sobre como funcionaria o encontro da melancolia cool jazz do cantor que toca piano Johnny com a despretensão festeira e suingada do pianista que canta Donato se resolveu na música seguinte, o clássico balançado "Emoriô". Johnny, notório intimista, parecia quase desconfortável, até ser convocado por Donato e soltar improvisos vocais impressionantes.
Com seus scat singings (vocais sem palavras sobre a melodia), Johnny mostrava a aproximação dos dois músicos, pela forte relação com o jazz e ao mesmo tempo a sensibilidade brasileira. De volta para o bis, Johnny mal encostava no piano e observava com curiosidade o clima festeiro de "Nasci para Bailar" e "O Bicho Tá Pegando", mostrando sua genialidade vocal. Foi para ficar marcado na memória de quem viu.
Discos ao vivo de artistas geralmente são a representação da preguiça burocrática da indústria fonográfica. Mas, deixando o desgaste do formato de lado e pensando como regra um trabalho caprichado, agora é torcer para alguém registrar e lançar o momento de Donato nos palcos.


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