São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2008

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Cinema/estréias - Crítica/"Cada um com Seu Cinema"

Celebração a Cannes une time de diretores em amistoso morno

Filme feito para o 60º aniversário do evento reúne curtas de 34 diretores; Walter Salles e Cronenberg estão entre os destaques

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

À diferença dos esportes, nos quais os integrantes do "dream team" e da "seleção de ouro" jogam em conjunto, nos filmes coletivos a reunião de grandes nomes não significa que eles troquem passes e marquem golaços. A lista de diretores de "Cada um com Seu Cinema" pode parecer um esquete dos sonhos. Só que o resultado do filme não passa de um amistoso morno que termina em empate protocolar.
A idéia partiu de Gilles Jacob, presidente do Festival de Cannes, que convidou 34 diretores premiados ou habituais da competição para participar da obra, feita para celebrar os 60 anos do evento, em 2007. O ponto de partida seria o "estado de espírito de um momento inspirado pela sala de cinema".
O título brasileiro é mais fiel ao resultado. Em vez de "O Cinema de Cada um", a obra ganhou aqui o nome de "Cada um com seu Cinema", que revela mais a limitação, quase sempre sufocada por narcisismo, desses curtíssimos curtas.
A despeito da natureza multicultural do coletivo, dois temas predominam: a nostalgia da sala e a intensidade emocional da experiência. Vazias, abandonadas, destruídas ou arruinadas, as salas filmadas por Kitano, Konchalovsky, Gitai ou Hsiao-hsien ecoam em primeiro lugar a nostalgia não de um tempo, mas de um espaço mítico, lugar de imaginação, hoje transformado em amontoados de cadeiras ou de destroços.
A emoção da experiência no cinema ganha traduções que não escapam de obviedades, como cegos que choram (Iñárritu), faces abaladas (Kiarostami) e descobertas (Zhang Yimou) ou espectadores que se irritam com vizinhos (Roman Polanksi, Bille August) e vivem ações absurdas (Lars von Trier). Os mais constrangedores fazem de seus curtas exercícios de egolatria (Angelopoulos, Chahine, Lelouch). Outros partem da própria experiência para dialogar com o público, no idioma da ironia (Moretti).
Os trabalhos que se sobressaem são os de diretores que decidiram desrespeitar o caráter "Cinema Paradiso" do projeto e explorar a sala como espaço possível de ficção. É o que fazem, com nítida superioridade, David Cronenberg, Olivier Assayas, os irmãos Dardenne, Elia Suleiman e Walter Salles.
Assayas e os Dardenne partem, ambos, do tema do furto e consomem seus três minutos exibindo historietas enxutas e exuberantes, que atestam a validade da regra "menos é mais". Suleiman usa a sala como álibi para que seu personagem coloque em xeque a confiabilidade dos espaços e dos objetos.
Cronenberg se auto-encena numa performance conceitual que implode a natureza sentimentalóide do projeto. Sem pôr os pés em uma sala, Walter Salles se afasta do fetichismo e convoca Caju e Castanha para um improviso que ajuda a ver de longe e com acuidade a vacuidade do cinema.


CADA UM COM SEU CINEMA
Produção:
França, 2007
Direção: vários
Com: Nanni Moretti, Jean-Claude Dreyfus e Takeshi Kitano
Onde: estréia hoje no Cine Bombril
Avaliação: regular


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