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Cinema/estréias - Crítica/"Cada um com Seu Cinema"
Celebração a Cannes une time de diretores em amistoso morno
Filme feito para o 60º aniversário do evento reúne curtas de 34 diretores; Walter Salles e Cronenberg estão entre os destaques
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
À diferença dos esportes,
nos quais os integrantes do "dream team" e
da "seleção de ouro" jogam em
conjunto, nos filmes coletivos a
reunião de grandes nomes não
significa que eles troquem passes e marquem golaços. A lista
de diretores de "Cada um com
Seu Cinema" pode parecer um
esquete dos sonhos. Só que o
resultado do filme não passa de
um amistoso morno que termina em empate protocolar.
A idéia partiu de Gilles Jacob,
presidente do Festival de Cannes, que convidou 34 diretores
premiados ou habituais da
competição para participar da
obra, feita para celebrar os 60
anos do evento, em 2007. O
ponto de partida seria o "estado
de espírito de um momento
inspirado pela sala de cinema".
O título brasileiro é mais fiel
ao resultado. Em vez de "O Cinema de Cada um", a obra ganhou aqui o nome de "Cada um
com seu Cinema", que revela
mais a limitação, quase sempre
sufocada por narcisismo, desses curtíssimos curtas.
A despeito da natureza multicultural do coletivo, dois temas predominam: a nostalgia
da sala e a intensidade emocional da experiência. Vazias,
abandonadas, destruídas ou arruinadas, as salas filmadas por
Kitano, Konchalovsky, Gitai ou
Hsiao-hsien ecoam em primeiro lugar a nostalgia não de um
tempo, mas de um espaço mítico, lugar de imaginação, hoje
transformado em amontoados
de cadeiras ou de destroços.
A emoção da experiência no
cinema ganha traduções que
não escapam de obviedades,
como cegos que choram (Iñárritu), faces abaladas (Kiarostami) e descobertas (Zhang Yimou) ou espectadores que se irritam com vizinhos (Roman
Polanksi, Bille August) e vivem
ações absurdas (Lars von
Trier). Os mais constrangedores fazem de seus curtas exercícios de egolatria (Angelopoulos, Chahine, Lelouch). Outros
partem da própria experiência
para dialogar com o público, no
idioma da ironia (Moretti).
Os trabalhos que se sobressaem são os de diretores que
decidiram desrespeitar o caráter "Cinema Paradiso" do projeto e explorar a sala como espaço possível de ficção. É o que
fazem, com nítida superioridade, David Cronenberg, Olivier
Assayas, os irmãos Dardenne,
Elia Suleiman e Walter Salles.
Assayas e os Dardenne partem, ambos, do tema do furto e
consomem seus três minutos
exibindo historietas enxutas e
exuberantes, que atestam a validade da regra "menos é mais".
Suleiman usa a sala como álibi para que seu personagem coloque em xeque a confiabilidade dos espaços e dos objetos.
Cronenberg se auto-encena
numa performance conceitual
que implode a natureza sentimentalóide do projeto.
Sem pôr os pés em uma sala,
Walter Salles se afasta do fetichismo e convoca Caju e Castanha para um improviso que
ajuda a ver de longe e com acuidade a vacuidade do cinema.
CADA UM COM SEU CINEMA
Produção: França, 2007
Direção: vários
Com: Nanni Moretti, Jean-Claude Dreyfus e Takeshi Kitano
Onde: estréia hoje no Cine Bombril
Avaliação: regular
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