SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Em seu primeiro longa como diretora, o experimental "Looking for Jimmy" (2002), a atriz francesa Julie Delpy seguia por quase 80 minutos uma jovem de Los Angeles em crise de insegurança porque seu namorado não foi a uma festa de aniversário.
"2 Dias em Paris" é menos experimental e mais profissional (no acabamento e na pretensão de atrair público mais amplo), mas explora, no fundo, a mesma idéia-chave: fazer a anatomia de um relacionamento em crise durante um período limitado em que o caldeirão ferve como nunca.
Pudera: é a primeira vez que o marido americano (Adam Goldberg) de uma fotógrafa francesa (Delpy) vai conhecer a família e os amigos da mulher, em Paris. O casal mora em Nova York e passeia pela Europa.
Tem 48 horas para pegar o gato dela na casa dos pais e cumprir as formalidades de praxe.
Os problemas, no entanto, vão se avolumando em quantidade incrível para tão pouco tempo. Na perspectiva dele, começam pelo mofo do apartamento que ela deixou fechado, passam pelo significado misterioso de Jim Morrison para os sogros e estão longe de terminar quando antigos namorados dela aparecem pelo caminho.
Há, também, as diferenças culturais entre americanos e franceses -sem falar nas divergências políticas, até mais sangüíneas, entre os próprios franceses. A vida da moça não é mais fácil: precisa lidar com o estresse duplo do reencontro com o passado e do desconforto que isso provoca no marido.
Delpy faz desse caldo uma comédia romântica que brinca, mais uma vez, com clichês parisienses. Dois dias na "cidade do amor" não correspondem, aqui, a um momento inesquecível a ser imortalizado em fotos e vídeos. São, isso sim, excursão quase caricatural ao inferno das desavenças conjugais.
É um filme autoral, sem dúvida: além de escrever, dirigir, atuar e escalar o próprio pai no papel de seu pai, Delpy assina a trilha sonora e a montagem. O conjunto se assemelha, assim, à persona que projeta na tela por meio de sua personagem -bela e sedutora, mas inconstante e assumidamente imperfeita.