São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2008

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Crítica/"Juízo"

Documentário híbrido ressalta "teatro" da Justiça

CRÍTICO DA FOLHA

As semelhanças entre "Justiça" (2004), o longa-metragem anterior de Maria Augusta Ramos, e "Juízo" (2007), que estréia hoje no Rio e em São Paulo, três dias após receber o grande prêmio do júri no Festival Internacional de Documentários de Direitos Humanos de Praga (República Tcheca), vão muito além das palavras usadas no título.
Em primeiro lugar, há um parentesco direto entre a matéria-prima de ambos, que constituem dois capítulos de uma trilogia cuja parte final ainda não está planejada -embora a diretora afirme que olhar para o mesmo universo em São Paulo seja uma forte possibilidade.
Enquanto "Justiça" acompanha a rotina de varas criminais do Tribunal de Justiça do Rio, procurando desvendar as relações entre os protagonistas dos atos que se desenrolam ali, "Juízo" registra audiências de jovens infratores na 2ª Vara da Justiça, também do Rio.
Os procedimentos são idênticos. Assim como o americano Frederick Wiseman, e diferentemente das escolhas do americano Michael Moore e do brasileiro José Padilha (em "Ônibus 174"), Maria Augusta apenas instala câmeras nos ambientes que investiga, sem movimentá-las, e não faz perguntas.
Com isso, busca o menor grau possível de interferência na realidade e de manipulação do espectador. "Estou interessada nas relações humanas e em como o meio as influencia", disse Maria Augusta, 43, à Folha na segunda, em São Paulo, onde participaria de quatro pré-estréias seguidas de debates, duas em universidades.

Interação
"Meu barato é ver as pessoas interagindo." Seu esforço é para que "o público reflita por si só e chegue a conclusões". Em "Juízo", o formato híbrido junta um pouco de ficção: para preservar a imagem dos infratores, eles foram substituídos por jovens recrutados em circunstâncias sociais semelhantes às dos personagens reais.
Maria Augusta filmou e editou dez audiências. Então, foi à procura dos substitutos para as cenas de contraplano (aquelas em que só os infratores aparecem) e de situações deles em casa e no cárcere. "Buscava quem se parecesse com eles de costas e que tivesse passado por experiências semelhantes, como a maternidade precoce."
Outra característica que aproxima os atores dos infratores que interpretam, segundo Maria Augusta, é a apatia. "Em comunidades carentes, é fácil encontrá-los. Eles são assim porque têm enorme consciência da miséria em que vivem e da falta de perspectivas."
A diretora se refere aos substitutos como "meus meninos", donos "de uma personalidade muito forte que procurei trazer para o filme". Suas próprias histórias de vida, sobre as quais ela prefere silenciar, dariam "outro filme". "Queria muito, com "Juízo", humanizar a figura dos menores infratores, que é demonizada pela mídia."
O hibridismo entre documentário e ficção acaba por ressaltar o que Maria Augusta chama de "teatro da Justiça".
"Todos desempenham papéis ali, mesmo sem a câmera. Você sente isso no filme." No título, acredita, há um recado expresso. "Precisamos de juízo para a sociedade, para todos nós." Ou seja: não só o que "o maior exige do menor", como lembra a ótima frase da campanha de lançamento. (SÉRGIO RIZZO)

JUÍZO
Produção:
Brasil, 2007
Direção: Maria Augusta Ramos
Onde: estréia hoje nos cines Bombril e Espaço Unibanco
Avaliação: bom


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