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Crítica/"Juízo"
Documentário híbrido ressalta "teatro" da Justiça
CRÍTICO DA FOLHA
As semelhanças entre
"Justiça" (2004), o longa-metragem anterior
de Maria Augusta Ramos, e
"Juízo" (2007), que estréia hoje
no Rio e em São Paulo, três dias
após receber o grande prêmio
do júri no Festival Internacional de Documentários de Direitos Humanos de Praga (República Tcheca), vão muito além
das palavras usadas no título.
Em primeiro lugar, há um parentesco direto entre a matéria-prima de ambos, que constituem dois capítulos de uma
trilogia cuja parte final ainda
não está planejada -embora a
diretora afirme que olhar para
o mesmo universo em São Paulo seja uma forte possibilidade.
Enquanto "Justiça" acompanha a rotina de varas criminais
do Tribunal de Justiça do Rio,
procurando desvendar as relações entre os protagonistas dos
atos que se desenrolam ali,
"Juízo" registra audiências de
jovens infratores na 2ª Vara da
Justiça, também do Rio.
Os procedimentos são idênticos. Assim como o americano
Frederick Wiseman, e diferentemente das escolhas do americano Michael Moore e do brasileiro José Padilha (em "Ônibus
174"), Maria Augusta apenas
instala câmeras nos ambientes
que investiga, sem movimentá-las, e não faz perguntas.
Com isso, busca o menor
grau possível de interferência
na realidade e de manipulação
do espectador. "Estou interessada nas relações humanas e
em como o meio as influencia",
disse Maria Augusta, 43, à Folha na segunda, em São Paulo,
onde participaria de quatro
pré-estréias seguidas de debates, duas em universidades.
Interação
"Meu barato é ver as pessoas
interagindo." Seu esforço é para que "o público reflita por si
só e chegue a conclusões". Em
"Juízo", o formato híbrido junta um pouco de ficção: para preservar a imagem dos infratores,
eles foram substituídos por jovens recrutados em circunstâncias sociais semelhantes às
dos personagens reais.
Maria Augusta filmou e editou dez audiências. Então, foi à
procura dos substitutos para as
cenas de contraplano (aquelas
em que só os infratores aparecem) e de situações deles em
casa e no cárcere. "Buscava
quem se parecesse com eles de
costas e que tivesse passado por
experiências semelhantes, como a maternidade precoce."
Outra característica que
aproxima os atores dos infratores que interpretam, segundo
Maria Augusta, é a apatia. "Em
comunidades carentes, é fácil
encontrá-los. Eles são assim
porque têm enorme consciência da miséria em que vivem e
da falta de perspectivas."
A diretora se refere aos substitutos como "meus meninos",
donos "de uma personalidade
muito forte que procurei trazer
para o filme". Suas próprias
histórias de vida, sobre as quais
ela prefere silenciar, dariam
"outro filme". "Queria muito,
com "Juízo", humanizar a figura
dos menores infratores, que é
demonizada pela mídia."
O hibridismo entre documentário e ficção acaba por
ressaltar o que Maria Augusta
chama de "teatro da Justiça".
"Todos desempenham papéis
ali, mesmo sem a câmera. Você
sente isso no filme." No título,
acredita, há um recado expresso. "Precisamos de juízo para a
sociedade, para todos nós." Ou
seja: não só o que "o maior exige do menor", como lembra a
ótima frase da campanha de
lançamento.
(SÉRGIO RIZZO)
JUÍZO
Produção: Brasil, 2007
Direção: Maria Augusta Ramos
Onde: estréia hoje nos cines Bombril e Espaço Unibanco
Avaliação: bom
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