São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Leticia Moreira/Folha Imagem
Reunidos no Risadaria, festival cômico que acontece somente no próximo fim de semana, em São Paulo, humoristas armam batalha contra o politicamente correto e fazem piadas com negros, anões, homossexuais e deficientes físicos

"Que tal se a gente fizesse a Pararisadaria? Uma programação só com apresentações de humoristas deficientes?" A ideia surge, não se sabe de onde, e todos embarcam. "Eu conheço uns cinco. Só cadeirante tem três. Tem um sem dedo...", lista Diogo Portugal. "Sem dedo não vale. Entra na categoria presidente", pondera Marcelo Tas. "Meu produtor também é cadeirante. E conheço um imitador manco", acrescenta Diogo. "O Diogo tem um curral onde ele cria humoristas com defeito", ri Marcelo Madureira, que faz sua autoconvocação: "Vou até amputar uma parte do corpo pra participar. A gente tem que dar uma porrada no politicamente correto".

 


O surto de inspiração coletivo é resultado de uma reunião séria para preparar um evento cômico. Acostumados a fazer piada nos palcos e na TV, os humoristas Diogo Portugal, do programa "Zorra Total", Marcelo Tas, do "CQC", Marcelo Madureira, do "Casseta & Planeta", Paulo Bonfá, do "Rockgol", e Caco Galhardo, cartunista da Folha, estão no escritório da produtora Infinito Cultural, à beira da marginal Pinheiros, em SP, para discutir os últimos detalhes do Risadaria, "maior evento de humor do país", que acontece de sexta a domingo no pavilhão da Bienal.

 


O festival terá debates, encontros entre artistas e um concurso de novos talentos. Entre um café e um biscoitinho, os cinco curadores e o produtor Alain Levi vão acrescentando surpresas à programação já divulgada. "A gente podia colocar um anão com uma bandeja levando remédio para a [cantora] Vanusa", diz Tas. A cantora foi convidada para interpretar (sem erros) o hino nacional. Outra ideia é colocar os comediantes em jaulas com placas de "não alimente os animais".

 


Idealizador desse Carnaval, Bonfá sugere uma homenagem aos personagens que inspiram tantas piadas ou "O Panteão dos Incentivadores do Humor Nacional": Jesus Luz ("preferia quando ele fazia o milagre dos peixes"), Ronaldo, Barrichello, Dunga, Paulo Maluf, Luciana Gimenez, Luciano Huck ("o Bono brasileiro, casado com a Madonna brasileira"), a revista "Caras" ("um showroom, a salvação de um humorista sem ideias"), Roberto Justus, Daniella Cicarelli, Galvão Bueno, Rogério Ceni, Tony Ramos, Sandy e Junior, os BBBs, Silvio Santos ("o mais imitado")...

 


O presidente Lula "é hors-concours", diz Diogo. "É um artista de stand-up comedy", afirma Tas. Em véspera de eleição, os alvos preferenciais são os presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). "O que é a Dilma sambando no Carnaval com um gari? E o Serra na praia de terno? Que coisa constrangedora!", diz Tas. "Se eles se deixassem mostrar do jeito que são, mal-humorados e feios, eles podiam angariar simpatia. Não dá pra fingir que é simpático por sete meses [até a eleição]", explica o eterno professor Tibúrcio.

 


Nos EUA, acredita Bonfá, a piada sai mais fácil. "Lá, os candidatos vão aos humorísticos. Os americanos são pragmáticos. Entendem que ganham a simpatia dos eleitores quando provam que sabem brincar."

 


"E se a gente fizesse uma sessão de humor negro só com negros?". "Não dá. [Os negros] Vão roubar todo mundo na plateia", diz Madureira. Chico Anysio e Millôr Fernandes serão homenageados no evento. Os Trapalhões não terão a mesma deferência, mas não saem do discurso do grupo. "Eles hoje não poderiam ir pro ar. Cearenses, negros e usuários de peruca iam dizer que aquilo denigre a imagem deles", diz Bonfá, reclamando do politicamente correto. "Ninguém se tornou alcoólatra porque assistiu ao Mussum tomando "mé"." "O politicamente correto é a maior ameaça ao humor no Brasil hoje", diz Diogo. "É um problema maior que o buraco na camada de ozônio. Não só pro humor, pra humanidade", afirma Madureira. "É uma sombra que paira em cima de nós", completa Caco. "Uma sombra vinda do Canadá [que seria sem graça]."
Diogo conta que, em um show seu, uma espectadora o censurou por ter feito piada com Lula: "Tome cuidado, hein!" "Aí, eu continuei: "Olha, gente, a sobrinha do Lula. Deve estar no Bolsa Família"." Um vídeo da cena foi parar no YouTube. Diogo afirma que teve um show cancelado em Guarulhos, cidade governada pelo PT. (A Secretaria de Cultura da cidade diz que o show nem chegou a ser marcado e que, neste mês, agendou apresentações de humoristas como Danilo Gentili e Marco Luque, do "CQC".)

 


"O politicamente correto e a censura são a mesma coisa", diz Marcelo Madureira, que afirma já ter recebido "recados" do governo Lula. Segundo ele, o ex-ministro Luiz Gushiken (Comunicação) e a primeira-dama, Marisa Letícia, teriam pedido para os Cassetas "pegarem leve". "Pra bom entendedor, meia palavra bosta."
Para Tas, a "patrulha ideológica" está sempre de plantão. "O mundo tá muito limpinho. Ninguém sua. Todos querem controlar a sua imagem. Tá tudo photoshopado [consertado no Photoshop]. Somos contra a photoshopagem do mundo." Enquanto alguém escapa pra ir ao banheiro, uma nova ideia surge para o Risadaria: colocar patrocínios nos toaletes, como os dos bancos de praça. "Esse mictório foi um oferecimento de Luciano Huck", brinca Madureira. "Ou de Eike Batista!"

 


Voz grave no meio das piadas, o produtor Alain freia os ânimos. "Precisamos consultar o jurídico antes. Se alguém processa, é complicado." "Agora, tudo é processo", diz Tas, que tem dois contra ele. "É o controle através do poder da grana, com os processos como forma de intimidação."

 


"Isso é uma coisa recente. As minorias se dizem incomodadas, mas querem mesmo é indenização por danos morais. O politicamente correto passa pela casa dos milhões de dólares", reclama Madureira. "A única associação que ainda não me perseguiu foi a dos veados heterossexuais."

 


De repente, um barulho estranho. "Que isso, é uma sirene?", indaga Caco. "Não, é que eu tô com problema de gases", brinca Bonfá. Diogo chama o colega num canto: "Qual é o deadline da reunião? Tenho que sair pra fazer uma gravação prum banco".

 


O Risadaria tem patrocínio de empresas como Devassa, Volkswagen e Nextel, via Lei Rouanet, e ingressos que vão de R$ 30 a R$ 100.

 


É quase hora do rush e os humoristas ainda não elegeram os novos talentos. O grupo decide os vencedores. Madureira, distraído, ainda vota. "Madureira, você tá parecendo o [Michel] Temer, tá trancando a pauta!", diz Tas. Os curadores do humor caem no riso e começam a recolher caricaturas e textos cômicos de volta às pastas. "Mas quem pagou?", insiste Madureira. "Eu não recebi nada e costumo julgar as coisas conforme quem paga melhor."

Reportagem ADRIANA KÜCHLER



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