São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2000


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"CHÁ COM MUSSOLINI"

Um filme para titias

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

O nazi-fascismo já foi tratado no cinema por diretores tão diferentes como Straub e Huillet ("Da Nuvem à Resistência"), Syberberg ("Hitler, um Filme da Alemanha"), Scola ("Um Dia muito Especial"), Sokurov ("Moloch"), Chaplin ("O Grande Ditador"), Rhomm ("Fascismo sem Máscara") e Pasolini ("Salò").
Em "Chá com Mussolini", Zeffirelli mete sua colher edulcorada na história, travestida de melodrama cômico. Baseado em recordações autobiográficas, o diretor situa seu entrecho entre 1935 e 1944, seguindo um grupo de reputadas senhoras inglesas, conhecidas como "scorpioni" na comunidade local italiana, que assiste sua tranquila rotina ser revirada durante a ascensão dos fascistas.
O pragmatismo da degenerada América mora em duas mulheres que destoam do sotaque britânico, mas são simpáticas ao gueto formado pela viúva de um diplomata (Maggie Smith), uma artista aficionada (Judy Dench) e uma secretária bilíngue (Joan Plowright). A militante Lily Tomlin faz uma arqueóloga lésbica e irônica. E Cher é uma americana rica em Florença, tresloucada amante dos homens, das artes e da vida.
As damas iludem-se com o status quo de intocáveis, ainda mais após a garantia prometida num chá com o Duce. Com as peças mudando de lugar no tabuleiro da guerra, inglesas e americanas caem em desgraça na Itália. O filho enjeitado de um comerciante, adotado por elas, engaja-se na resistência. A libertação surge como oportuna conspiração de acaso e idiossincrasias.
Em ritmo manco, o filme patina na reconstituição ligeira, como sachês flutuando em água morna. Fatos históricos viram mera moldura e a conflagração da realidade oscila às conveniências de lágrimas e humores das destemidas servas de sua majestade.
Na esteira das alegorizações teatrais da guerra, como "A Vida É Bela" ou "Trem da Vida", "Chá com Mussolini" rasura a história em favor da representação romântica, resultando tão profundo quanto um pires e tão denso quanto um torrão de açúcar.
Zeffirelli tenta não extravasar seu arroubo gay, mas sua afetação não se contém no kitsch. Ele está longe de um Jarman, e sua radical militância transtemporal, ou de um Visconti, aristocrata marxista ciente de sua posição e condição.
Para o diretor de "Morte em Veneza" e "O Leopardo", a sensibilidade política acertava os ponteiros da violência e da paixão com sua época, sintonizando o jogo de classes ao relógio do mundo. Se tomado como leve despretensão, este Zeffirelli é um filme para o chá das quatro, a ser sorvido com as titias.


Avaliação:   

Filme: Chá com Mussolini (Tea with Mussolini)
Produção: Itália/Inglaterra, 1999
Diretor: Franco Zeffirelli
Com: Cher, Maggie Smith, Judy Dench
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes/sala Villa-Lobos, Vitrine e circuito


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