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"CHÁ COM MUSSOLINI"
Um filme para titias
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
O nazi-fascismo já foi tratado
no cinema por diretores tão diferentes como Straub e Huillet ("Da
Nuvem à Resistência"), Syberberg ("Hitler, um Filme da Alemanha"), Scola ("Um Dia muito
Especial"), Sokurov ("Moloch"),
Chaplin ("O Grande Ditador"),
Rhomm ("Fascismo sem Máscara") e Pasolini ("Salò").
Em "Chá com Mussolini", Zeffirelli mete sua colher edulcorada
na história, travestida de melodrama cômico. Baseado em recordações autobiográficas, o diretor situa seu entrecho entre 1935 e
1944, seguindo um grupo de reputadas senhoras inglesas, conhecidas como "scorpioni" na comunidade local italiana, que assiste
sua tranquila rotina ser revirada
durante a ascensão dos fascistas.
O pragmatismo da degenerada
América mora em duas mulheres
que destoam do sotaque britânico, mas são simpáticas ao gueto
formado pela viúva de um diplomata (Maggie Smith), uma artista
aficionada (Judy Dench) e uma
secretária bilíngue (Joan Plowright). A militante Lily Tomlin
faz uma arqueóloga lésbica e irônica. E Cher é uma americana rica
em Florença, tresloucada amante
dos homens, das artes e da vida.
As damas iludem-se com o status quo de intocáveis, ainda mais
após a garantia prometida num
chá com o Duce. Com as peças
mudando de lugar no tabuleiro
da guerra, inglesas e americanas
caem em desgraça na Itália. O filho enjeitado de um comerciante,
adotado por elas, engaja-se na resistência. A libertação surge como
oportuna conspiração de acaso e
idiossincrasias.
Em ritmo manco, o filme patina
na reconstituição ligeira, como
sachês flutuando em água morna.
Fatos históricos viram mera moldura e a conflagração da realidade
oscila às conveniências de lágrimas e humores das destemidas
servas de sua majestade.
Na esteira das alegorizações teatrais da guerra, como "A Vida É
Bela" ou "Trem da Vida", "Chá
com Mussolini" rasura a história
em favor da representação romântica, resultando tão profundo
quanto um pires e tão denso
quanto um torrão de açúcar.
Zeffirelli tenta não extravasar
seu arroubo gay, mas sua afetação
não se contém no kitsch. Ele está
longe de um Jarman, e sua radical
militância transtemporal, ou de
um Visconti, aristocrata marxista
ciente de sua posição e condição.
Para o diretor de "Morte em Veneza" e "O Leopardo", a sensibilidade política acertava os ponteiros da violência e da paixão com
sua época, sintonizando o jogo de
classes ao relógio do mundo. Se
tomado como leve despretensão,
este Zeffirelli é um filme para o
chá das quatro, a ser sorvido com
as titias.
Avaliação:
Filme: Chá com Mussolini (Tea with Mussolini)
Produção: Itália/Inglaterra, 1999
Diretor: Franco Zeffirelli
Com: Cher, Maggie Smith, Judy Dench
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes/sala Villa-Lobos, Vitrine e circuito
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