São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2006

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CRÍTICA/"ENRON - OS MAIS ESPERTOS"

Documentário mostra a quebra de uma grande empresa norte-americana

Quando a história é melhor do que o filme

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

"Você é esperto?" (Are you smart?), o professor pergunta. "Sou espero pra cacete!" (I"m fucking smart!), responde o estudante. Estamos nos anos 80, na Harvard Business School. O aluno é Jeffrey Skilling, seu livro de cabeceira é "The Selfish Gene", uma espécie de bíblia da geração do deus-mercado de Reagan, e duas décadas depois se revelaria o personagem mais interessantemente repugnante da Enron, tanto a empresa como o filme.
Enron, a empresa de energia de Houston, no Texas, chegou a ser a sétima maior companhia dos EUA, com um faturamento anual de US$ 22 bilhões. Em 2002, tatuaria na cultura popular o termo "contabilidade criativa", depois que se descobriu que os livros da empresa eram peças de ficção. Pediu concordata, mais de 20 mil pessoas perderam o emprego, milhares de funcionários aposentados que investiram nas ações ficaram sem nada e seus executivos saíram multimilionários.
Um deles era o CEO Jeffrey Skilling, 52, o esperto, que nessa semana enfrenta julgamento por 31 acusações de fraude, conspiração e mentiras sobre a situação financeira da empresa. Se culpado, pode ser condenado a 275 anos de prisão e a pagar milhões.
"Enron - Os Mais Espertos da Sala", o filme, que concorreu ao Oscar de documentário deste ano (ganharam uns tais pingüins...) e estréia hoje em São Paulo, tenta entender o que levou uma empresa aparentemente tão sólida a naufragar tão espetacularmente.
Dirigido pelo documentarista Alex Gibney, parte de um best-seller homônimo escrito por Peter Elkind e Bethany McLean e por vezes se apóia muito nos depoimentos da última, que aparece em boa parte das cenas. É explicável: a repórter de negócios de 35 anos da revista "Fortune" foi a primeira, ainda em 2000, a telefonar para Skilling e fazer a pergunta que ninguém tinha feito ainda: como, afinal, a Enron ganha dinheiro?
O executivo engasgou, disse que tinha uma reunião em cinco minutos, acusou a jornalista de não ter feito sua lição de casa direito, ligou para seus editores, tentou pressioná-los -enfim, o roteiro habitual do executivo poderoso apanhado de calças curtas. Mas começava ali, com uma pergunta simples, uma desconfiança com a qual depois o mercado passaria a compartilhar: havia algo de errado com a Enron e seus principais executivos.
E que time shakespeariano! Skilling ("skill", habilidade em inglês) é o perfeito canalha que todos adoram odiar. Seu braço direito na contabilidade, hoje puxando cana, é Andrew Fastow (Fausto?), que criava empresas imaginárias usando nomes, expressões ou personagens de filmes de Hollywood, como "Get Shorty" e "Death Star".
Há ainda um misterioso chinês, Lou Pai, cuja função nenhum funcionário graduado conhecia, que freqüentava uma casa de strip-tease TODOS os dias da semana, dizia que passava gasolina no corpo para disfarçar para a mulher o perfume das dançarinas, deixou o barco com US$ 300 milhões antes que afundasse, casou-se com uma stripper e hoje é o segundo maior proprietário de terras do Estado do Colorado.
E o chefe de todos, Kenneth Lay, amigo e principal contribuinte da campanha de George W. Bush, que o apelidou de "Kenny Boy", com sua cara de Hortelino Troca-Letras, que deve ser julgado na seqüência de Skilling. É difícil não admirar a cara-de-pau desse núcleo duro, difícil também não ficar com raiva, especialmente quando se ouvem as gravações de corretores da Enron jogando com o preço de energia na Califórnia, enquanto o Estado amargava o pior apagão da história.
Há ainda as ex-vice-presidentes, as chamadas "whistleblowers" (literalmente, "sopradoras de apito", mas com o sentido de delatoras), que resolveram colaborar e contar às autoridades tudo o que sabiam -uma delas, Sherron Watkins, foi uma das "mulheres do ano" da tradicional capa da revista "Time", depois homenageada no filme "Elas me Odeiam, Mas me Querem" (2004), dirigido por Spike Lee.
Como filme, "Enron" não é grande coisa -lança mão de recursos duvidosos, como algumas encenações e a narração comercial de Peter Coyote. Como história, o espectador vai ficar grudado na cadeira até o final. Para descobrir que a coisa ainda vai longe, além dos 109 minutos de tela...


Enron - Os Mais Espertos da Sala
Enron - The Smartest Guys in the Room
    Direção: Alex Gibney Produção: EUA, 2005 Quando: a partir de hoje no Reserva Cultural



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