|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA/"ENRON - OS MAIS ESPERTOS"
Documentário mostra a quebra de uma grande empresa norte-americana
Quando a história é melhor do que o filme
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
"Você é esperto?" (Are you
smart?), o professor pergunta. "Sou espero pra cacete!"
(I"m fucking smart!), responde o
estudante. Estamos nos anos 80,
na Harvard Business School. O
aluno é Jeffrey Skilling, seu livro
de cabeceira é "The Selfish Gene",
uma espécie de bíblia da geração
do deus-mercado de Reagan, e
duas décadas depois se revelaria o
personagem mais interessantemente repugnante da Enron, tanto a empresa como o filme.
Enron, a empresa de energia de
Houston, no Texas, chegou a ser a
sétima maior companhia dos
EUA, com um faturamento anual
de US$ 22 bilhões. Em 2002, tatuaria na cultura popular o termo
"contabilidade criativa", depois
que se descobriu que os livros da
empresa eram peças de ficção. Pediu concordata, mais de 20 mil
pessoas perderam o emprego, milhares de funcionários aposentados que investiram nas ações ficaram sem nada e seus executivos
saíram multimilionários.
Um deles era o CEO Jeffrey Skilling, 52, o esperto, que nessa semana enfrenta julgamento por 31
acusações de fraude, conspiração
e mentiras sobre a situação financeira da empresa. Se culpado, pode ser condenado a 275 anos de
prisão e a pagar milhões.
"Enron - Os Mais Espertos da
Sala", o filme, que concorreu ao
Oscar de documentário deste ano
(ganharam uns tais pingüins...) e
estréia hoje em São Paulo, tenta
entender o que levou uma empresa aparentemente tão sólida a
naufragar tão espetacularmente.
Dirigido pelo documentarista
Alex Gibney, parte de um best-seller homônimo escrito por Peter
Elkind e Bethany McLean e por
vezes se apóia muito nos depoimentos da última, que aparece
em boa parte das cenas. É explicável: a repórter de negócios de 35
anos da revista "Fortune" foi a
primeira, ainda em 2000, a telefonar para Skilling e fazer a pergunta que ninguém tinha feito ainda:
como, afinal, a Enron ganha dinheiro?
O executivo engasgou, disse que
tinha uma reunião em cinco minutos, acusou a jornalista de não
ter feito sua lição de casa direito,
ligou para seus editores, tentou
pressioná-los -enfim, o roteiro
habitual do executivo poderoso
apanhado de calças curtas. Mas
começava ali, com uma pergunta
simples, uma desconfiança com a
qual depois o mercado passaria a
compartilhar: havia algo de errado com a Enron e seus principais
executivos.
E que time shakespeariano! Skilling ("skill", habilidade em inglês) é o perfeito canalha que todos adoram odiar. Seu braço direito na contabilidade, hoje puxando cana, é Andrew Fastow
(Fausto?), que criava empresas
imaginárias usando nomes, expressões ou personagens de filmes de Hollywood, como "Get
Shorty" e "Death Star".
Há ainda um misterioso chinês,
Lou Pai, cuja função nenhum funcionário graduado conhecia, que
freqüentava uma casa de strip-tease TODOS os dias da semana,
dizia que passava gasolina no corpo para disfarçar para a mulher o
perfume das dançarinas, deixou o
barco com US$ 300 milhões antes
que afundasse, casou-se com uma
stripper e hoje é o segundo maior
proprietário de terras do Estado
do Colorado.
E o chefe de todos, Kenneth Lay,
amigo e principal contribuinte da
campanha de George W. Bush,
que o apelidou de "Kenny Boy",
com sua cara de Hortelino Troca-Letras, que deve ser julgado na seqüência de Skilling. É difícil não
admirar a cara-de-pau desse núcleo duro, difícil também não ficar com raiva, especialmente
quando se ouvem as gravações de
corretores da Enron jogando com
o preço de energia na Califórnia,
enquanto o Estado amargava o
pior apagão da história.
Há ainda as ex-vice-presidentes,
as chamadas "whistleblowers" (literalmente, "sopradoras de apito", mas com o sentido de delatoras), que resolveram colaborar e
contar às autoridades tudo o que
sabiam -uma delas, Sherron
Watkins, foi uma das "mulheres
do ano" da tradicional capa da revista "Time", depois homenageada no filme "Elas me Odeiam,
Mas me Querem" (2004), dirigido
por Spike Lee.
Como filme, "Enron" não é
grande coisa -lança mão de recursos duvidosos, como algumas
encenações e a narração comercial de Peter Coyote. Como história, o espectador vai ficar grudado
na cadeira até o final. Para descobrir que a coisa ainda vai longe,
além dos 109 minutos de tela...
Enron - Os Mais Espertos da Sala
Enron - The Smartest Guys in the Room
Direção: Alex Gibney
Produção: EUA, 2005
Quando: a partir de hoje no Reserva
Cultural
Texto Anterior: Popload: O futuro do rock Próximo Texto: Crítica/"Armações do amor": Dey trata o público com a mesma infantilidade de seus personagens Índice
|