São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2006

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CDS

RARIDADE

Disputado por fãs e colecionadores, disco é relançado pela Trama

Tim "Racional", agora em CD, sobrevive à viagem mística

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA

Em 1975, Tim Maia, já um cantor e compositor de sucesso, lançou um vinil esquisito. As letras das canções usavam vocabulário esotérico, falavam em "imunização racional" e recomendavam a leitura do "livro de Deus" -o "Universo em Desencanto".
O disco estava na contramão. Para o público de MPB, mesmo aquele menos dogmático e mais esperto, que se interessava pela movimentação "black" de Tim, Cassiano e Hyldon, a pregação mística soava como um despropósito. Essa percepção era possivelmente acentuada pelo fato de o país viver sob censura e regime militar. Se havia uma demanda por "mensagens", ela estava voltada para a semântica do protesto político, que se especializava em driblar censores com truques e artifícios poéticos, exemplarmente representados em parte da obra de Chico Buarque.
Havia, além disso, uma concorrência fortíssima, fosse na música mais politizada ou não. Àquela altura -já se vão 30 anos-, estavam em plena forma, além do próprio Chico, nomes como Caetano, Gil, Jorge Ben, Milton, Raul Seixas, Rita Lee, Novos Baianos etc. Acrescente-se o fato de o disco ter tido uma tiragem pequena e ter sido logo renegado pelo autor -e fica fácil entender por que ninguém deu muita bola para a viagem do músico carioca.
Mas havia um detalhe fundamental: quem colocasse o LP "Tim Maia Racional - Volume 1" no toca-disco e possuísse ouvido para ir além da papagaiada mística perceberia que se tratava de uma jóia musical.
"O Tim estava no auge", lembra o trombonista Serginho, da banda que viria a ser posteriormente celebrizada com o nome de Vitória Régia. Aos 32 anos, longe da bebida, do fumo e das drogas, o cantor estava com a voz tinindo, límpida e poderosa.
As canções do disco, agora relançado em CD pela Trama, haviam sido escritas para um outro projeto. Fariam parte de um vinil a ser lançado pela RCA. Catequizado pela seita, Tim foi à gravadora e mudou o canal de voz das fitas, introduzindo novas letras. A RCA não gostou, e o disco acabou saindo por um selo independente, o Seroma -que reúne as iniciais de Sebastião Rodrigues Maia, o nome de batismo da figura.
Segundo Serginho do Trombone, o "Universo em Desencanto" foi apresentado a Tim pelo músico Tibério Gaspar. "O pai dele, o professor Gaspar, era da seita. Outros músicos, como o João Roberto Kelly, também aderiram", conta. Ele lembra que Tim passou a desprezar tudo o que fosse considerado "supérfluo": "Ele levou a gente ao apartamento dele em Copacabana e pediu para tirarmos tudo o que ele dizia ser supérfluo. Até o forro de gesso do teto a gente arrancou".
A qualidade musical do disco e a dificuldade de encontrá-lo o transformaram num produto disputado por fãs e colecionadores. Não são poucos os que têm cópias piratas, feitas pelo amigo do amigo ou baixadas da internet. "Tim Maia Racional" também cruzou fronteiras e chamou a atenção de músicos estrangeiros -entre eles, David Bowie, que, segundo dizem, adorou o que ouviu.
O CD, de fato, é ótimo. Nem todas as letras são intragáveis. Há algumas menos contaminadas pela pregação e outras que, mesmo "racionais", podem ser relidas, hoje, de maneira divertida.
Mas o verdadeiro conteúdo do CD está no som, na voz, no incrível talento antropofágico desse incontrolável, genial e generoso músico que foi Tim Maia.


Tim Maia Racional
     Artista: Tim Maia Gravadora: Trama Quanto: R$ 35, em média



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