São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2006

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TEATRO

Apresentadora e atriz substitui Carolina Ferraz em peça dirigida por Elias Andreato, em cartaz no Teatro Folha

Galisteu encarna loira virginal no palco

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Adriane Galisteu já é quase do ramo, mas ainda não chama peça de "espetáculo", como faz o povo do teatro. Despretensiosa no ensaio de sua terceira experiência no palco, ela, que não é boba, entra em cena reforçando seus álibis.
"Eu recebi a proposta na quarta [dia 5], passei a noite lendo o texto e respondi que sim na quinta. Ou seja, estou ensaiando só há uma semana", conta ela, que substitui a atriz Carolina Ferraz a partir de hoje em "O Rim", peça de Patrícia Melo baseada em uma história real.
Galisteu faz Rosário, uma moça de aproximadamente 30 anos, virginal, que mora com a mãe entrevada e o irmão homossexual; trabalha em uma biblioteca e é seduzida por um aproveitador, que promete se casar com ela. Às vésperas do casamento, ele se declara impedido por causa de um problema grave nos rins. O irmão homossexual oferece um rim para o transplante, desde que o noivo, supostamente rico, produza um espetáculo sobre Maria Callas. O aproveitador vende o rim e some.
Os colegas atores elogiam Galisteu com termos do jargão teatral que parecem especialmente criados para essas ocasiões (pois não querem dizer muita coisa). Afirmam que ela "imprime singeleza" ao personagem, "uma delicadeza", "um frescor", "uma personalidade própria".
Como de costume em um ensaio de teatro, todo mundo ali parece viver em um mundo particular, onde os egos devem ser massageados ininterruptamente -para garantir a segurança de todos em cena.
Cauteloso, o diretor Elias Andreato diz o que se espera: "Essa moça foi ótima. Em dois dias estava com o texto decorado, tinha pegado as marcações e o tempo do espetáculo. O importante é que ela quer muito, se empenha, e uma das principais prerrogativas de um ator é a disciplina".
Preconceito com quem não possui formação teatral? Ninguém tem. A veterana Ivone Hoffman, 41 anos de teatro e agora mãe de Adriane na peça, escolhe as palavras.
"É muito bonito você ver a pessoa ingressar nesse universo, com pouca vivência de palco, e fazer com que a ação aconteça. Por que você acha que os diretores de cinema gostam tanto de atrizes que não vêm do teatro? Porque elas chegam desarmadas, sem cacoetes, se entregam ao personagem sem resistências."

Ensaio
Evidentemente, todos se negam a fazer comparações com "a composição" de Carolina Ferraz, já que "cada ator estabelece uma relação com o personagem".
"Muda o registro de interpretação. São energias diferentes", diz, vago, Eduardo Reis, que faz o aproveitador no espetáculo.
"O que importa é querer realizar um trabalho bom. Fiquei surpreso com a Adriane", diz Bruce Gonlevski, o irmão homossexual de Rosário.
Adriane Galisteu chega ao teatro por volta da meia-noite, hora em que o ensaio estava marcado. Traz seis amigos gays: "Vim com uma miniplatéia", diz, rindo. Veste uma calça de agasalho e uma camiseta, ambos pretos; o tênis de corrida é abóbora. Ela se deita na boca de cena, relaxada, e o fotógrafo começa a fazer seu trabalho.
"Não, gente, eu estou sem maquiagem", diz ela, já na terceira pose para a câmera.
O ensaio começa. Lá pelas tantas, Rosário, a moça simples, aparece esfregando o chão de casa vestindo um twin set (vestido e casaco curto da mesma cor) rosa-claro. De acordo com um dos amigos gays que a assiste e é figurinista, trata-se de "um modelinho retrô anos 50". Em outra cena, quando vai sair com o aproveitador, Rosário aparece ainda mais glamourosa. O amigo-figurinista explica que "a saia branca evasée, rodada, e o casaquinho azul royal, justo, fazem um conjunto bem legal". O sapato? "É normal [muito alto, dourado, com strass na frente]." Rosário usa modelos que lembram os de Grace Kelly em "Alta Sociedade".
"Tentei me enfeiar", diz Adriane, um pouco decepcionada. "Ela [a Rosário] é tão sem postura no palco, o cabelo horroroso..."
Como a personagem gosta muito de ler (mora em uma casa cujas paredes forradas de livros de alto a baixo fariam o bibliófilo José Mindlin morrer de inveja), Adriane usa em cena óculos grandes de armação preta. "Dri, esses óculos já estão no "Glamurama'", comemora o seu assessor de imprensa, Nélson Sacho. Os seios de Rosário parecem maiores que os de Adriane. Pôs silicone? "Não, é um sutiã modelador", diz Sacho.
Na composição da moça ingênua, Adriane volta e meia resvala no teatro infantil, mas isso é um recurso já bastante comum entre atrizes modernas. "O papel não é fácil. A Rosário é muito diferente de mim", diz a apresentadora.
O problema é que a imagem aguerrida da apresentadora de TV eventualmente contamina o personagem na peça. Não é fácil acreditar que alguém possa se aproveitar de Adriane Galisteu -e, no fim, ainda deixá-la por outra. Como pode um homem, com ou sem rim, dispensar uma loura alta, de olhos verdes, vestindo um twin set e, ainda por cima, ligeiramente despenteada?


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