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Pedro, o infeliz
Em perfil biográfico de d. Pedro 2º, o historiador José Murilo de Carvalho investiga razões da melancolia do monarca
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Seu palácio era uma bagunça.
Suas viagens, feitas com dinheiro emprestado. E, enquanto jornais e panfletos eram publicados tirando sarro de seus
modos, ele seguia defendendo a
liberdade de imprensa. Parece
este o retrato de um imperador
de uma tradicional linhagem
européia do Antigo Regime?
D. Pedro 2º e o modo muito
peculiar como governou o Brasil por quase meio século (49
anos, três meses e 22 dias, exatamente) já foram motivo de
inúmeros ensaios e biografias.
O que o historiador mineiro
José Murilo de Carvalho faz
agora, em "D. Pedro 2º - Ser ou
Não Ser", é, justamente, sugerir
como tantas contradições esconderam, no fundo, um homem triste por trás da máscara
de poderoso monarca.
O livro, lançado pela coleção
"Perfis Brasileiros", é um retrato descaradamente simpático
do personagem. Mas que, atualizado com recente bibliografia,
derruba alguns mitos -entre
eles, por exemplo, a idéia de
que d. Pedro 2º (1825-1891) não
era tão mulherengo como o pai.
Leia abaixo trechos da entrevista que Carvalho, 67, professor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e autor
de importantes estudos sobre o
Brasil do século 19 ("Os Bestializados" e "A Formação das Almas"), concedeu à Folha.
FOLHA - O sr. diz que a maioria das
biografias de d. Pedro 2º tendem a
ser simpáticas a ele. A sua segue essa tendência. O sr. concorda?
JOSÉ MURILO DE CARVALHO - Concordo. Não consigo conceber
boa biografia sem que haja alguma simpatia pelo biografado.
A base da simpatia é que é um
tanto diferente em meu texto.
A maioria das biografias se concentrou no lado político. Havia
uma grande batalha entre as
biografias laudatórias de monarquistas e os panfletos críticos de republicanos. Minha
simpatia vai mais para a pessoa
e seus dramas, sem esquecer o
papel político que é avaliado,
espero, de maneira equilibrada.
FOLHA - O sr. diz que não é possível
duvidar de que d. Pedro 2º fosse
apaixonado pelo Brasil e que isso
parece conflitante com o fato de que
ele havia crescido afastado da realidade das ruas. Como explica isso?
CARVALHO - A paixão pelo Brasil
é um ponto para o qual não encontrei resposta satisfatória. A
explicação psicológica que sugiro, uma identificação com o
país devido à ausência de um
modelo paterno e maneira de
valorizar a si mesmo, não passa
de sugestão. Foi aventada porque o senso de dever absorvido
na educação não me pareceu
capaz de dar conta da paixão.
Dever é mais razão, ponto
também forte na psicologia do
imperador. Mas isso não explica as saudades do exílio, os sonhos de regresso, o punhado de
terra brasileira usado como
travesseiro mortuário.
FOLHA - O que contou mais para a
infelicidade de d. Pedro 2º, a orfandade, a pressão durante a formação,
a impossibilidade de ter uma outra
vida que não aquela ou a timidez?
CARVALHO - Não quis fazer uma
biografia como a de Joaquim
Nabuco sobre o pai ["Um Estadista do Império", 1899]. Não
tenho a competência de Nabuco e não queria fazer mais uma
história do Segundo Reinado, o
que ele faz magnificamente.
Chamou-me a atenção o desajuste entre os sentimentos e
os deveres, entre os prazeres da
leitura, das artes, das viagens,
das mulheres, das conversações eruditas e a dura e, para
ele, exaustiva tarefa de governar, agravada pelos rituais monárquicos.
Essa, a meu ver, é a principal
razão pela qual Pedro de Alcântara foi uma pessoa infeliz.
FOLHA - Pode-se dizer que d. Pedro
2º era um "democrata"?
CARVALHO - D. Pedro 2º não se
considerava governante ilegítimo por ter herdado o posto de
chefe de Estado, embora tivesse dito preferir ser presidente
de uma república.
Se tomarmos o termo democrático como significando respeito por outras opiniões, tolerância com a oposição, liberdade de opinião e de imprensa, o
único governante republicano
que poderia rivalizar com ele
seria Juscelino Kubitschek.
FOLHA - Sua vida amorosa não é
tão alardeada como a do pai. Hoje
há interesse maior com relação a esse aspecto? A correspondência com
a condessa de Barral, sua amante,
foi devidamente estudada?
CARVALHO - Esse tema ficou por
muito tempo na penumbra. Ele
foi educado para não imitar o
pai mulherengo. Era discreto
em suas aventuras. Só pasquins
ousavam sugerir aventuras extraconjugais. Foi a doação das
cartas a Barral ao Museu Imperial por um neto da condessa
em 1948 que forçou uma revisão deste lado da biografia.
A revelação causou surpresa
e perturbação entre os guardiões da memória do monarca.
A meu ver, enriqueceu muito a
figura humana do imperador.
FOLHA - No capítulo em que descreve o abandono do palácio, nota-se que o imperador tinha um certo
pânico com relação à idéia de que
achassem que ele enriquecia indevidamente. É correto?
CARVALHO - D. Pedro 2º não tinha apreço pelo que se convencionou chamar de sociedade de
corte. Por esse lado, sua educação foi republicana. Sua viagem
aos EUA é quase cômica quando ele se revela muito menos
preocupado com recepções e
rituais do que seus anfitriões.
A corte de Brasília é mais
pomposa do que foi a de Pedro
2º. A preocupação em não gastar à toa dinheiro público era
parte da sobriedade. Quem pedia dinheiro emprestado para
viajar não gastaria dinheiro público em celebrações.
FOLHA - D. Pedro 2º revela-se muito metódico em seus diários. Esse
aspecto resulta do modo como ele
foi fabricado para governar?
CARVALHO - Os diários do imperador são terrivelmente chatos.
Ele anota distâncias, temperaturas, horários. Aparecia aí o
burocrata, a máquina de governar a que o tentaram reduzir.
Mas creio que pode estar presente também a influência dos
livros dos naturalistas que visitaram o Brasil. D. Pedro 2º não
viajava pelo país sem levá-los
para conferir sua exatidão.
FOLHA - D. Pedro 2º definia-se como homem dos livros e das ciências
e dizia que preferia que o pai tivesse
governado mais tempo para que
pudesse viajar. O que acha que teria
feito se não tivesse que virar rei?
CARVALHO - Você me pede uma
história imaginada. A mesma
educação que buscou fazer dele
uma máquina de governar tornou-o também leitor voraz, curioso insaciável pelas ciências e
as artes. Faria diferente se não
tivesse que governar? Faria,
sem dúvida, diferente.
Mas ele tinha talento medíocre para as letras e as ciências.
Lia tudo, sabia tudo, mas não
era um criador. Poderia ter sido
outro tipo de infeliz: um escritor ou cientista frustrado.
D. PEDRO 2º - SER OU NÃO SER
Autor: José Murilo de Carvalho
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: R$ 37 (269 págs.)
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