São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2010

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Criando mitos

Artistas que levaram poesia ao rock and roll, Patti Smith e Bob Dylan são temas de dois livros que contam com riqueza de detalhes momentos cruciais da consolidação de suas carreiras

Michael Ochs Archives
Dylan e Bloomfield na gravação de "Like a Rolling Stone"

BRUNO YUTAKA SAITO
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Quando tinha 19 anos, Patricia Lee Smith teve um problema. Numa época em que sexo e casamento eram "absolutamente sinônimos", ela engravidara de um garoto da escola.
Enquanto esperava o nascimento do bebê -que iria para a adoção-, Patricia sonhava com uma vida excitante como a de seus ídolos. Não desgrudava do livro "Iluminações", de Rimbaud, e do disco "Blonde on Blonde", de Bob Dylan. Nem podia imaginar o que estava ainda por vir quando trocou a pacata Nova Jersey pela cosmopolita Nova York.
Em pouco menos de dez anos, ela iria encontrar os principais músicos, escritores e artistas norte-americanos das décadas de 1960 e 70 e lançaria "Horses" (1975), disco que redefiniu o papel da mulher e da poesia dentro do rock and roll.
Ela se tornou Patti Smith. O relato dessa carreira vertiginosa é feito pela própria cantora, hoje com 63 anos, na autobiografia "Just Kids" (apenas garotos), lançada no exterior -a versão brasileira deve chegar aqui no final do ano, pela Companhia das Letras.
Mais do que elencar fatos, Patti centra a narrativa no relacionamento com o fotógrafo Robert Mapplethorpe e nos esforços hercúleos para alcançar a fama. Assim como o livro "Like a Rolling Stone", "Just Kids" é a descrição detalhada da construção de um mito.

Companheiros até o fim
"Foi o verão em que [John] Coltrane morreu [...] Hippies levantavam os braços vazios e a China explodia a bomba H. Jimi Hendrix colocava fogo em sua guitarra em Monterey [...] Havia tumultos em Newark, Milwaukee e Detroit [...] Era o verão do amor. E nessa atmosfera hostil de mudanças, um encontro inesperado mudou o curso da minha vida. Foi o verão em que conheci Robert Mapplethorpe", escreve Patti.
O fotógrafo, que ganhou fama mundial com suas imagens homoeróticas antes de morrer em decorrência de Aids em 1989, era, naquela época, apenas mais um garoto com pretensões artísticas. Mesmo após terminarem a relação amorosa e Mapplethorpe descobrir-se homossexual, os dois seguiram amigos até o final. Era uma troca mútua de influências artísticas e companheirismo. O livro abre e termina com o relato dos momentos finais do artista.
Quem leu "Mate-me por Favor" (Legs McNeil e Gillian McCain, 1996), livro definitivo sobre o nascimento da cena punk na Nova York dos anos 1970, pode achar "Just Kids" chapa-branca demais.
Se, em "Mate-me", por exemplo, Patti e Robert são descritos com sarcasmo como um casal brega tentando entrar de penetra no lendário restaurante/balada Max's Kansas City para serem vistos pelo artista plástico Andy Warhol, em "Just Kids" prevalece uma atmosfera de sonho e cativante ingenuidade.
No entanto, a narrativa de Patti fascina justamente porque é idealizada. Ela é a mulher que levou a poesia de Rimbaud ao universo do punk, vale lembrar. "Jesus morreu pelos pecados de alguém, mas não pelos meus", ela já cantava no primeiro verso da primeira música (a versão de "Gloria", do Them) de seu primeiro disco.


JUST KIDS

Autora: Patti Smith
Editora: Ecco
Quanto: R$ 68, em média (importado; 304 págs.)




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