São Paulo, terça, 14 de abril de 1998

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OFICINA
Projeto integra índios e artistas em oficinas

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

"Caminhos e Parcerias" foi talhado para fazer conhecer a vertente artística inaugurada este ano pelo Comunidade Solidária, a entidade presidida pela primeira-dama Ruth Cardoso. Ela considera "importante mostrar os resultados e divulgar essa ação", cujos custos são suportados, segundo a presidente do Comunidade, por "empresas privadas e instituições como o Sesc, que trouxe os grupos participantes para o evento paulista, contando-se ainda com a boa vontade de muitos artistas".
O evento ocupa de quarta a domingo as áreas de convivência e o teatro do moderno Sesc Vila Mariana, em São Paulo, com sete espetáculos de música, dança, teatro e cinema, além de quatro oficinas culturais, numa sequência de artistas de sete Estados brasileiros.
Como principal item, "Caminhos" leva ao palco o desenvolvimento de uma oficina de integração com índios e artistas do sul do país, realizada no Amazonas.
Oficinas como essa e as "caravanas culturais", que viajam a localidades distantes realizando espetáculos e intervenções artísticas, passaram a constar em 98 do programa do Universidade Solidária. O "Projeto Móvel de Cultura e Meio Ambiente", em janeiro e fevereiro últimos, passou por 112 municípios do Norte e Nordeste, com a participação de mais de 2.000 universitários voluntários.
O exemplo escolhido, e que inaugura a programação paulista, foi a oficina realizada em São Gabriel da Cachoeira, cidade com 10 mil habitantes no extremo noroeste do Amazonas. Foram convidados integrantes de duas das 28 etnias daquela região -os wayanos e os tuyukas-, que tiveram de viajar nove dias de suas aldeias até o município, para se ter uma idéia das distâncias no Alto Rio Negro.
Apesar de saírem do sul do país, a cantora Marlui Miranda e o músico Rodolfo Stroeter, que desenvolvem trabalhos de preservação do repertório musical indígena, viajaram apenas um dia para chegar ao encontro.
Participaram ainda universitários do projeto, o Instituto Sócio-Ambiental (ISA) e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), que hospedou todos na maloca indígena construída em sua sede. A TV Cultura de São Paulo registrou os encontros e transmite um especial em rede nacional no dia 17, às 22h30.
Acompanhada de dois de seus netos, a própria Ruth Cardoso foi ao Amazonas assistir ao resultado da oficina. As índias fizeram então uma "súplica cantada" ("hanekê-hanekê") à primeira-dama: suas tribos queriam vir à grande cidade para mostrar música e dança e utilizar aqui "novidades" como microfones sem fio, amplificadores, gravação de fitas etc.
Apesar de entender o encontro mais como ritual do que como espetáculo, os índios querem profissionalizar sua arte. Oficina, encontro ou espetáculo, "Mahçã Bokarinimõ" ("Encontro de Irmãos", em língua tukano) representa a realização do pedido, com a vinda de 25 índios tuyukas a São Paulo e novamente as presenças de Miranda e Stroeter.
O "Encontro" dará ainda um passo adiante, com a participação do coreógrafo paulista Ivaldo Bertazzo e 24 de seus "cidadãos-dançantes", interpretando música produzida pelos índios. A direção é de Bertazzo e Marlui Miranda.
Os outros seis grupos que se apresentam esta semana trabalham com cultura popular, como teatro de bonecos, ou oferecem propostas para problemas como desrespeito aos direitos da criança, desigualdade social e degradação do meio ambiente.
Haverá ainda exposição de obras especialmente concebidas pelas artistas plásticas Regina Silveira e Mônica Nador.
Para Danilo Santos de Miranda, do Sesc-SP, "as preocupações com lazer e cultura do Comunidade Solidária coincidem com muitas das propostas do Sesc e a parceria é fato natural". Leia a seguir trechos da entrevista exclusiva concedida por Ruth Cardoso à Folha.

Folha - Por que o Comunidade Solidária optou por levar expressão artística em seus programas?
Ruth Cardoso -
O propósito era antigo, mas somente este ano se conseguiu recursos e pessoas com dedicação para levar novas formas artísticas a comunidades carentes. O trabalho utiliza também as expressões locais de uma comunidade, ensinando um olhar estético sobre tais recursos e oferecendo uma dimensão nova, como no caso da proposta plástica "Muros Pintados". E da mesma forma com teatro, música etc. Foi um sucesso.
Folha - Por que a senhora foi à oficina de São Gabriel da Cachoeira?
Cardoso -
Nunca viajamos tão ao norte do Brasil. O prefeito desse município, que tem uma das maiores extensões demarcadas de áreas indígenas, manifestou interesse em nos receber e o investimento aí foi muito grande. Foi uma experiência fechada de interação de culturas extremamente diferentes, com longa duração e participação de artistas especiais, como Marlui Miranda.
Folha - O governo FHC tem sido acusado de se omitir quanto ao programa social. Com sua proposta assistencial, e agora cultural, o Comunidade procura fazer o contraponto?
Cardoso -
O Comunidade não é contraponto, nem braço do poder, mas um espaço de debate entre governo e sociedade civil. Essa característica de oposição entre as partes, tão debatida aqui, não existe mais no mundo inteiro. Ambos os lados têm de encontrar uma verdade conhecida e aceita por todos e esse é o princípio do Comunidade Solidária, que procura fazer a sociedade participar do debate. As críticas a que você se refere são feitas com alguma ligeireza, em minha opinião. Muito se tem feito. Nos programas de saúde preventiva e na criação do Fundo Nacional de Educação, por exemplo. Essas são atuações concretas e mecanismos efetivos de redistribuição de renda.



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