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OFICINA
Projeto integra índios e artistas em oficinas
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
"Caminhos e Parcerias" foi talhado para fazer conhecer a vertente artística inaugurada este ano
pelo Comunidade Solidária, a entidade presidida pela primeira-dama Ruth Cardoso. Ela considera
"importante mostrar os resultados
e divulgar essa ação", cujos custos
são suportados, segundo a presidente do Comunidade, por "empresas privadas e instituições como o Sesc, que trouxe os grupos
participantes para o evento paulista, contando-se ainda com a boa
vontade de muitos artistas".
O evento ocupa de quarta a domingo as áreas de convivência e o
teatro do moderno Sesc Vila Mariana, em São Paulo, com sete espetáculos de música, dança, teatro
e cinema, além de quatro oficinas
culturais, numa sequência de artistas de sete Estados brasileiros.
Como principal item, "Caminhos" leva ao palco o desenvolvimento de uma oficina de integração com índios e artistas do sul do
país, realizada no Amazonas.
Oficinas como essa e as "caravanas culturais", que viajam a localidades distantes realizando espetáculos e intervenções artísticas,
passaram a constar em 98 do programa do Universidade Solidária.
O "Projeto Móvel de Cultura e
Meio Ambiente", em janeiro e fevereiro últimos, passou por 112
municípios do Norte e Nordeste,
com a participação de mais de
2.000 universitários voluntários.
O exemplo escolhido, e que
inaugura a programação paulista,
foi a oficina realizada em São Gabriel da Cachoeira, cidade com 10
mil habitantes no extremo noroeste do Amazonas. Foram convidados integrantes de duas das 28 etnias daquela região -os wayanos
e os tuyukas-, que tiveram de
viajar nove dias de suas aldeias até
o município, para se ter uma idéia
das distâncias no Alto Rio Negro.
Apesar de saírem do sul do país,
a cantora Marlui Miranda e o músico Rodolfo Stroeter, que desenvolvem trabalhos de preservação
do repertório musical indígena,
viajaram apenas um dia para chegar ao encontro.
Participaram ainda universitários do projeto, o Instituto Sócio-Ambiental (ISA) e a Federação
das Organizações Indígenas do
Rio Negro (Foirn), que hospedou
todos na maloca indígena construída em sua sede. A TV Cultura
de São Paulo registrou os encontros e transmite um especial em
rede nacional no dia 17, às 22h30.
Acompanhada de dois de seus
netos, a própria Ruth Cardoso foi
ao Amazonas assistir ao resultado
da oficina. As índias fizeram então
uma "súplica cantada" ("hanekê-hanekê") à primeira-dama:
suas tribos queriam vir à grande
cidade para mostrar música e dança e utilizar aqui "novidades" como microfones sem fio, amplificadores, gravação de fitas etc.
Apesar de entender o encontro
mais como ritual do que como espetáculo, os índios querem profissionalizar sua arte. Oficina, encontro ou espetáculo, "Mahçã Bokarinimõ" ("Encontro de Irmãos", em língua tukano) representa a realização do pedido, com
a vinda de 25 índios tuyukas a São
Paulo e novamente as presenças
de Miranda e Stroeter.
O "Encontro" dará ainda um
passo adiante, com a participação
do coreógrafo paulista Ivaldo Bertazzo e 24 de seus "cidadãos-dançantes", interpretando música
produzida pelos índios. A direção
é de Bertazzo e Marlui Miranda.
Os outros seis grupos que se
apresentam esta semana trabalham com cultura popular, como
teatro de bonecos, ou oferecem
propostas para problemas como
desrespeito aos direitos da criança, desigualdade social e degradação do meio ambiente.
Haverá ainda exposição de obras
especialmente concebidas pelas
artistas plásticas Regina Silveira e
Mônica Nador.
Para Danilo Santos de Miranda,
do Sesc-SP, "as preocupações com
lazer e cultura do Comunidade Solidária coincidem com muitas das
propostas do Sesc e a parceria é fato natural". Leia a seguir trechos
da entrevista exclusiva concedida
por Ruth Cardoso à Folha.
Folha - Por que o Comunidade
Solidária optou por levar expressão artística em seus programas?
Ruth Cardoso - O propósito era
antigo, mas somente este ano se
conseguiu recursos e pessoas com
dedicação para levar novas formas
artísticas a comunidades carentes.
O trabalho utiliza também as expressões locais de uma comunidade, ensinando um olhar estético
sobre tais recursos e oferecendo
uma dimensão nova, como no caso da proposta plástica "Muros
Pintados". E da mesma forma com
teatro, música etc. Foi um sucesso.
Folha - Por que a senhora foi à
oficina de São Gabriel da Cachoeira?
Cardoso - Nunca viajamos tão
ao norte do Brasil. O prefeito desse
município, que tem uma das
maiores extensões demarcadas de
áreas indígenas, manifestou interesse em nos receber e o investimento aí foi muito grande. Foi
uma experiência fechada de interação de culturas extremamente
diferentes, com longa duração e
participação de artistas especiais,
como Marlui Miranda.
Folha - O governo FHC tem sido
acusado de se omitir quanto ao
programa social. Com sua proposta assistencial, e agora cultural, o
Comunidade procura fazer o contraponto?
Cardoso - O Comunidade não é
contraponto, nem braço do poder,
mas um espaço de debate entre governo e sociedade civil. Essa característica de oposição entre as partes, tão debatida aqui, não existe
mais no mundo inteiro. Ambos os
lados têm de encontrar uma verdade conhecida e aceita por todos
e esse é o princípio do Comunidade Solidária, que procura fazer a
sociedade participar do debate. As
críticas a que você se refere são feitas com alguma ligeireza, em minha opinião. Muito se tem feito.
Nos programas de saúde preventiva e na criação do Fundo Nacional
de Educação, por exemplo. Essas
são atuações concretas e mecanismos efetivos de redistribuição de
renda.
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