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LITERATURA
Movimento simbolista cearense Padaria Espiritual, de 1892, tem finalmente sua história "maldita" contada
Livro resgata confraria pré-modernista
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
PAULO MOTA
COORDENADOR-ASSISTENTE DA AGÊNCIA FOLHA
Sequestrada pela história oficialesca da literatura, a Padaria Espiritual, sociedade de letras cearense com pendor maldito e feição
pré-modernista, completa 110
anos neste mês, ano em que a Semana de 1922 completa 80.
Na corcunda da efeméride, o
Museu do Ceará publica "Padaria
Espiritual - Biscoito Fino e Travoso", do historiador Gleudson Passos Cardoso, 27, que narra a aventura de Policarpo Estouro, Cariri
Braúna, Lucas Bizarro, Venceslau
Tupiniquim, entre outros "padeiros", como eram tratados os
membros da confraria.
A finalidade do movimento foi
registrada no artigo primeiro do
seu "Programa de Instalação", no
dia 30 de maio de 1892, em Fortaleza: "Fornecer pão de espírito aos
sócios, em particular, e aos povos,
em geral". Na contramão da luxúria da belle époque que reinava
nos céus de Olavo Bilac, alguns
"padeiros" lançavam panfletos
contra o poder estabelecido pela
novíssima República.
Como nos versos de Sátiro Alegrete (nome de guerra de Sabino
Batista), recitados no extinto Café
Java, nos arredores da praça do
Ferreira, ponto de encontro da sociedade literária: "Devemos mais
uma vez/ Fazer um protesto forte:/ -Votar a todo burguês/ O nosso ódio de morte".
A sátira aos valores da ordem
capitalista-civilizatória (moda
que chegava com embalagem novinha em folha do progresso soprado da Europa para estas bandas) era mote permanente da rebeldia dos escritores cearenses,
grupo de jovens saltados da miséria do semi-árido e da classe média baixa de Fortaleza.
"Eram funcionários da alfândega, caixeiros, escritores menores,
sem filiação com as facções político-oligárquicas e buscavam ascensão pública e social", conta o
historiador Cardoso no seu livro.
"Os setores emergentes da capital
foram sem dúvida o grupo mais
perseguido pela pilhéria e o sarcasmo da Padaria." O veículo para essa crônica de costumes era
"O Pão", jornal libertário que não
dava sossego aos poderosos, aos
conservadores e ao clero. Esculhambar para corrigir, eis a moral.
Na pilhéria, com sonetos e quadrinhas satíricos em vez do poema-piada de Oswald de Andrade,
os "padeiros" do Ceará beiravam
o gosto do biscoito fino modernista que chegaria, oficialmente,
30 anos depois em São Paulo, na
Semana de 22.
Em um dos tópicos do seu código literário, os amassadores do
pão para o espírito também lembravam o "tupy or not tupy" dos
modernistas. A recomendação
era trocar o afrancesamento em
voga geral na província pelo vernáculo tupiniquim. Mas não havia uma filiação literária definida
no grupo, que tanto possuía a verve modernista quanto as sombras
do simbolismo. "Durante as fornadas (sessões), é permitido ter o
chapéu na cabeça, exceto quando
se falar em Homero, Shakespeare,
Dante, Hugo, Goethe, Camões e
José de Alencar", pregava o artigo
20 da conduta dos "padeiros".
Embora não houvesse a pretensão à grande literatura, aí outro
parentesco com a farra de 22, saiu
dessa geração registros consistentes, como a escritura de Adolfo
Caminha, autor de "A Normalista", pioneiro ao criar um personagem declaradamente homossexual na prosa brasileira.
PADARIA ESPIRITUAL - BISCOITO
FINO E TRAVOSO. Autor: Gleudson
Passos Cardoso. Editora: Edições Museu
do Ceará (tel. 0/xx/85/251-1502).
Quanto: R$ 5 (98 págs.).
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