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Romeu e Julieta em obras
Com recursos audiovisuais substituindo os cenários, montagem de Vassiliev estréia dia 23 temporada no Rio
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ANA FRANCISCA PONZIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Entre os mitos do balé russo,
Vladimir Vassiliev se equipara a
Rudolf Nureyev e Mikhail
Baryshnikov. Contemporâneo de
Nureyev (1938-93), Vassiliev contrariou a tendência dos bailarinos
de sua época que se exilaram no
Ocidente para permanecer na
Rússia. Em Moscou, onde nasceu,
ele associou seu nome à história
do Ballet do Teatro Bolshoi, onde
ingressou ainda como estudante,
para tornar-se, a partir da década
de 60, uma de suas maiores estrelas e, finalmente, ocupar o cargo
de diretor artístico entre 1995 e
2000.
Aos 62 anos, Vassiliev hoje é um
profissional free-lance que trabalha em vários países. No momento, ele está no Rio de Janeiro montando sua versão do balé "Romeu
e Julieta" para o Ballet do Teatro
Municipal carioca. A estréia, no
dia 23, contará com a participação
de outra celebridade: o violoncelista e maestro Mstislav Rostropovich, que regerá a Orquestra Sinfônica do Municipal do Rio.
"Já vi mais de dez versões de
"Romeu e Julieta". A minha se diferencia das demais porque a ação
ocorre em três planos. Ao colocar
a orquestra no centro do palco
pensei em unir visão e audição, fazendo com que a narrativa partisse do regente. Rostropovich fica
permanentemente em cena e é ele
quem começa e termina o espetáculo. Há palcos complementares
acima e abaixo da orquestra e por
vezes os bailarinos atuam entre os
músicos", explica Vassiliev.
A primeira vez que Vassiliev encenou seu "Romeu e Julieta" foi
em 1990, no Teatro Stanislavsky
de Moscou. "O projeto foi desenvolvido com Rostropovich, que
sonhava em montá-lo na Itália, no
palco da Arena de Verona." Com
recursos audiovisuais substituindo os cenários, o balé de Vassiliev
inspirado na tragédia de Shakespeare transcorre em três atos e,
segundo o coreógrafo, utiliza por
inteiro a partitura de Prokofiev.
"Da primeira à última nota, preservamos tudo o que o compositor escreveu."
Aberto para a criação contemporânea, mas fiel à técnica clássica
do balé, Vassiliev não concebe
dança dissociada de música. "O
corpo do bailarino é como uma
orquestra que usa a integralidade
de seus instrumentos. Dependendo da harmonia, ele faz o público
chorar ou ficar indiferente." Num
dos raros momentos em que se
dispõe a contar sua história, Vassiliev falou à Folha sobre sua carreira e as disputas de poder no
Teatro Bolshoi. Por dizer o que
pensa e por tentar renovar o repertório do Ballet Bolshoi, ele frequentemente enfrentou oposições. Leia a seguir trechos de sua
entrevista.
Folha - Qual a importância do balé "Romeu e Julieta" no repertório
clássico?
Vladimir Vassiliev - Musicalmente, conta com a mais genial obra
de Prokofiev para balé. A construção dramática de "Romeu e Julieta" também é uma das melhores
da história, talvez perdendo somente para "Giselle". Pessoalmente, considero o tema importante porque fala sobre o amor
puro. Em meio às coisas negativas
do mundo em que vivemos, aumenta nas pessoas a vontade de
ver algo relacionado a sentimentos puros. É como uma necessidade de ar fresco.
Folha - O senhor está satisfeito
com o elenco brasileiro?
Vassiliev - O elenco em geral trabalha com muito interesse, mas o
problema principal é a falta de
tempo. Para montar esse imenso
espetáculo estamos tendo apenas
um mês, do qual ainda temos que
retirar feriados e reuniões. Na Europa trabalha-se diferente, mas
temos que levar em conta que no
Rio a vida é sempre uma festa e eu
estou até entrando no ritmo. Já
acredito que no final dará tudo
certo (risos).
Folha - Voltando ao início de sua
carreira, havia resistência contra
homens que decidiam se profissionalizar em dança?
Vassiliev - Você tem de levar em
conta que quando eu comecei vivia-se o pós-guerra. O país estava
destruído e não havia recursos
para popularizar a dança clássica.
Uma coisa era dançar o folclore
russo nos pátios dos prédios, como eu fazia na infância, outra era
encarnar um príncipe do balé
clássico.
Folha - Essa situação evoluiu rápido?
Vassiliev - O que aconteceu é que
apareceram mais homens nos balés e eles começaram a interpretar
papéis mais importantes do que
os das bailarinas. Isso influenciou
o público e daí houve um processo natural com a difusão do balé
pela televisão, pelos filmes.
Folha - Quando começou sua projeção internacional?
Vassiliev - Em 1959, um ano após
meu ingresso no Ballet Bolshoi, fizemos uma turnê pelos Estados
Unidos e os jornais americanos se
referiram a mim como uma nova
estrela do balé russo. Naquela
época, havia cerca de 30 grandes
companhias na Rússia, mas o Kirov e o Bolshoi eram praticamente desconhecidos fora do país.
Havia uma grande diferença entre
a dança masculina russa e a dança
masculina ocidental. Acho que ao
"invadir" o Ocidente, o balé russo
também contribuiu para o desenvolvimento da dança masculina.
Folha - Por que você decidiu permanecer na Rússia?
Vassiliev - Mudar para o Ocidente nunca me passou pela cabeça
porque eu dançava na capital, que
era Moscou. As turnês internacionais dos grupos russos começaram a partir de Moscou. Ao contrário de bailarinos como Nureyev e Baryshnikov, que trabalhavam em Leningrado (hoje São Petersburgo), os moscovitas não tinham o sentimento de viver na
província. Por outro lado, nos primeiros 15 anos no Bolshoi, eu participava constantemente de novos
espetáculos. Qual é o artista que
foge da oportunidade de sempre
estrelar novas produções? Além
de tudo, havia os amigos. Por
mais que você goste das paisagens
que te cercam, o que te segura é a
memória da infância e da vida.
Folha - Por que mais tarde o senhor entrou em conflito com Yuri
Grigorovich, que dirigiu o Bolshoi
durante três décadas?
Vassiliev - A gestão de Grigorovich foi fantástica nos primeiros
dez anos, ou seja, até cerca de
1975. Como único coreógrafo, ele
começou a se repetir. Não trazia
outros criadores para trabalhar
com a companhia e reagiu mal às
críticas. Foi quando rompemos.
Folha - A abertura que o senhor
imprimiu ao repertório do Bolshoi,
durante sua gestão como diretor
artístico, foi interrompida?
Vassiliev - O que fiz cria dificuldades para que esse processo seja
paralisado. A direção atual continua convidando coreógrafos para
trabalhar com o elenco e eu espero que isso continue. Mas o problema é que estão trabalhando
um pouco como no Ocidente. Ou
seja, realiza-se algumas apresentações de um novo espetáculo,
mas ele não fica no repertório.
Grigorovich também está voltando a coreografar para o Bolshoi.
Porém, em vez de fazer uma nova
criação, ele remontará algo de 25
anos atrás e isso é muito ruim.
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