São Paulo, sábado, 14 de maio de 2005

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"THE BUENOS AIRES AFFAIR"

Thriller sexual de Manuel Puig não envelhece e ainda atormenta

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Experimental e atormentado, "The Buenos Aires Affair" (1973) não goza da mesma celebridade de outros livros de Manuel Puig (1932-1990), como "O Beijo da Mulher-Aranha" -levado às telas por Hector Babenco em 1985- ou "Boquitas Pintadas". Este incômodo thriller sexual, entretanto, é o melhor romance do escritor argentino.
Numa narrativa que entrelaça linguagem cinematográfica com ritmo de folhetim e transpõe o gênero policial para um cenário onde a presença da dramaticidade musical e simbólica do tango é constante, Puig constrói um legítimo "pulp fiction" à Argentina.
A ação se passa na Buenos Aires dos anos 70, a mesma que levou o escritor ao exílio. Nos períodos de ditadura, Puig teve suas obras censuradas, mas, mesmo depois da abertura política, em 1983, não voltou à Argentina. Sentia-se excluído por sua homossexualidade e pouco valorizado como escritor.
Em "The Buenos Aires Affair", Puig constrói dois protagonistas paralelos que, ao se encontrarem, causam mútua destruição. Ela é Gladys Hebe D'Onofrio, artista plástica que acaba de voltar de uma tentativa frustrada de se estabelecer nos EUA, onde sofreu uma agressão que a levou a usar para sempre mórbidos óculos escuros e onde passava as noites em devaneios masturbatórios.
Ele é Leopoldo Druscovich, crítico de arte que possui um pênis descomunal e um desejo de violência incontrolável. Depois de uma infância incestuosa e de uma juventude marcada por um assassinato, Leo conhece Gladys e vê nela a possibilidade de dar vazão a seu ímpeto de agressão e morte.
Puig usa um sem-número de recursos para conduzir a trama. Obcecado por cinema -começou escrevendo roteiros-, cita diálogos tirados de clássicos hollywoodianos e usa marcações e definições de ambientes como se estivesse elaborando um script.
É curioso que um romance assim nunca tenha sido filmado, ainda que o excelente "Felizes Juntos", de Wong Kar-wai seja livremente inspirado por ele.
Além do cinema, o autor também lança mão de entrevistas fictícias, diálogos telefônicos em que só uma voz é ouvida e até uma autópsia para levar a trama.
Mais de 30 anos depois, o romance resiste melhor à passagem dos anos do que os outros livros do autor. Se "O Beijo da Mulher-Aranha" parece datado pelo discurso militante, "The Buenos Aires Affair" mantém atual o desconforto que causa ao tratar, de modo atemporal, de sexo, violência e, indiretamente, de política.


The Buenos Aires Affair
    
Autor: Manuel Puig
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 40,90 (254 págs.)



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