São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 2008

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61º Festival de Cannes

De olhos bem abertos

Com temas que vão do terrorismo às mudanças econômicas na China, Festival de Cannes tem início hoje com "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles

Fred Dufour/ France Presse
Turista tira foto em frente ao Palácio dos Festivais, a sede da competição

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Com um conjunto de filmes que abordam o embate do homem com seu tempo -ou a política na esfera individual-, o Festival de Cannes inaugura hoje a sua 61ª edição.
São dias de transformação econômica ("Er Shi si Cheng Ji"), de juventude massacrada pela guerra ("Waltz with Bashir") ou pela sedução do terrorismo ("Adoration") e de conflito entre os desejos e a pressão social ("Delta", "Two Lovers") que se desenham em boa parte dos 22 longas que concorrem à Palma de Ouro.
A partida na disputa será dada, em sessão de gala hoje à noite, por "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles, em que uma (contemporânea) época obscurantista ganha a tradução literal de uma epidemia de cegueira, segundo a obra de José Saramago na qual o filme se baseia.
""Ensaio sobre a Cegueira" é um filme brilhante e inventivo. Adaptar esse livro de Saramago era um desafio difícil, mas acho que Meirelles conseguiu. A forma como ele dirige os atores é magistral", afirma o diretor-artístico do Festival de Cannes, Thierry Frémaux.
Frémaux é o responsável pela escolha dos competidores. Neste ano, quase 2.000 longas se submeteram à seleção de Cannes. Como ele deixa claro em seu comentário sobre o filme de Meirelles, ao girar a peneira da seleção, o festival leva em conta, muito mais do que os assuntos de que tratam os filmes, o modo como eles o fazem, ou seja, suas qualidades cinematográficas.
É a tradição de rigor seletivo, aliado a uma enorme capacidade de reverberação e a um imbatível "savoir-faire" para associar cinema e glamour que sedimentaram o prestígio do Festival de Cannes e que sustentam sua fama de ser o mais importante do mundo.

Cinema de autor
"Cannes é o lugar onde a idéia do cinema de autor permanece viva. O festival não é só o ponto de encontro de diferentes cinematografias, mas também de visões de mundos. As mais diversas vertentes estéticas convergem para lá. Cannes é, em suma, o lugar onde a nossa compreensão do mundo se torna, no espaço de dez dias, mais abrangente", diz o cineasta Walter Salles, que compete à Palma de Ouro com "Linha de Passe", co-dirigido por Daniela Thomas.
Thomas diz que, "como cinéfila", tem o Festival de Cannes "como baliza, como referência". Por isso, há algo de "apavorante" para ela na idéia de estrear seu filme aqui.
"Se não me engano, foi Verlaine [poeta francês] que disse que um poema não se termina, abandona-se em desespero. Nosso filme, que mal termina, faz essa passagem instantânea para a exposição pública na vitrine mais importante que existe. Eu, definitivamente, não estou preparada para isso", diz a diretora.
Previsto para este sábado, "Linha de Passe", assim como quase todos os outros filmes da competição, está sendo concluído às vésperas de sua estréia no festival. As versões dos filmes concorrentes a que o festival assiste para a seleção carecem do acabamento técnico final, em aspectos de som e de luz, por exemplo.

Sem fatalismo social
Segundo Frémaux, "Linha de Passe" é um filme que "diz que não há fatalismo social, que em todo lugar há vida e esperança, que as famílias sobrevivem no sofrimento".
Filmado em São Paulo, o longa de Salles e Thomas aborda uma família da periferia em que mãe e filhos -o pai é figura ausente- tentam driblar as dificuldades da vida sem dinheiro.
"Gostei de um "filme de favela" dar uma imagem do Brasil mais complexa do que unicamente a relação do país com a violência", afirma Frémaux sobre "Linha de Passe".
Os intérpretes dos personagens principais do longa virão a Cannes, para a exibição do filme. O único ator conhecido do público entre eles é Vinicius de Oliveira, que protagonizou "Central do Brasil" (1998) quando criança. Os demais membros da "família" são estreantes em cinema.
A sessão de abertura do festival com "Ensaio sobre a Cegueira" deve contar com os grandes nomes do elenco internacional do filme -os norte-americanos Julianne Moore e Danny Glover, o mexicano Gael García Bernal e a brasileira Alice Braga.
A presença de José Saramago não é certa. Aos 84 anos, o escritor português foi internado em dezembro do ano passado, com complicações decorrentes de pneumonia. Teve alta em janeiro. "Ele está se recuperando em Lisboa. Avisei-o de que, se ele não estiver se sentindo 100% bem [para ir a Cannes], eu levo o filme até lá depois do festival", diz Meirelles.

Duas chances
Com "Ensaio sobre a Cegueira" e "Linha de Passe", são duas as chances de que um cineasta brasileiro vença a Palma de Ouro, num ano em que o país já conquistou o Urso de Ouro em Berlim, com "Tropa de Elite", de José Padilha.
Padilha diz achar que o fato de o Brasil haver vencido em Berlim não repercute em Cannes, porque "são festivais com enfoque, organização e espírito diferentes". E acrescenta: "Eu acho também que temos chances reais de ganhar algum prêmio importante em Cannes. Torço muito para que isso aconteça. Seria genial!".
Meirelles diz que nunca imaginou a hipótese de o critério geopolítico ser levado em conta no resultado dos festivais. "Acho que eles vão premiar filmes que considerem premiáveis. Talvez eu seja um puritano ingênuo."
A cerimônia de premiação do Festival de Cannes ocorre no próximo dia 25.


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