|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
61º Festival de Cannes
Rito de fé inspira Nachtergaele em estréia na direção
Seu primeiro longa como diretor integra a seção Um Certo Olhar, paralela à competição principal do Festival de Cannes
"A Festa da Menina Morta", com Daniel Oliveira, é exibido na próxima quarta e tem enredo que se passa em comunidade no Amazonas
DA REPORTAGEM LOCAL
O ator Matheus Nachtergaele diz que começou a sentir
vontade de dirigir "um pouco
naturalmente". Desde o fim
dos anos 90, quando a produção brasileira de cinema se reaqueceu, Nachtergaele fez quase
20 filmes. Ele interpretou personagens essenciais às histórias de "O Auto da Compadecida", "Cidade de Deus" e "Amarelo Manga", por exemplo. "Em
alguns casos, eu colaborava tão
estritamente com o diretor que
isso [a vontade de dirigir] foi se
engendrando", diz.
A vontade concretizou-se
com "A Festa da Menina Morta" e fez de Nachtergaele um diretor detectado pelo radar que
o Festival de Cannes usa para
identificar novos cineastas capazes de experiências inovadoras no cinema. É na mostra
Um Certo Olhar, paralela à disputa pela Palma de Ouro, que
Cannes incluiu "A Festa da Menina Morta". A exibição do filme será na próxima quarta.
Por ser o primeiro filme de
Nachtergaele, ele concorre à
Caméra D'Or, o prêmio de melhor longa de estréia, além do
prêmio específico da mostra
Um Certo Olhar, concedido ao
melhor filme da seção, que reúne 20 títulos.
Honra
"Além da honra de estar nesse recorte de filmes que se arriscam", Nachtergaele contabiliza o efeito prático da visibilidade que Cannes dá ao seu trabalho. "Como é um filme pequeno, de baixo orçamento [foi
feito com R$ 1,2 milhão], corria
o risco de passar um pouco
abandonado aqui no Brasil, por
mais que eu seja uma pessoa
conhecida."
O diretor diz que a história de
"A Festa...", que ele escreveu
junto com o roteirista Hilton
Lacerda, o "acompanha há uma
década". Enquanto filmava "O
Auto da Compadecida", em
1999, Nachtergaele viu "uma
cerimônia laico-religiosa", misto de forró e celebração de fé,
no interior da Paraíba.
Quando percebeu que aquela
comunidade atribuía poderes
milagrosos aos farrapos de um
vestido, único vestígio encontrado de uma garota desaparecida na região, Nachtergaele
reagiu com raiva. "Que bobagem! Foi o que pensei", lembra.
A irritação cedeu, mas ele seguiu perplexo com "a capacidade infinita de dar sentido ao
que não tem sentido", e passou
a ver na cerimônia paraibana
um similar da "trajetória do homem". É esse fio temático -a
produção de sentido para a vida
cotidiana vista como um rito de
fé- que dá corpo às histórias de
"A Festa da Menina Morta".
Sangue indígena
O local da festa migrou do
Nordeste para uma comunidade ribeirinha do Amazonas, escolha em que o diretor enxerga
uma "homenagem ao brasileiro, com 75% de sangue indígena e a influência clara de todas
as religiões que formam a fé no
Brasil". Desde o primeiro esboço que fez do roteiro, nos 20
dias que passou isolado e escrevendo, após as filmagens de "O
Auto...", até a última versão revisada com Hilton Lacerda,
Nachtergaele procurou fazer
"um retrato íntimo" dos personagens estruturados em torno
da menina, ou de seu fantasma.
O principal deles é o "santinho" (Daniel Oliveira), aquele
que encontra o vestido. "É um
filho de uma suicida, que vive
com o pai, numa casa cheia de
beatas", conta o diretor.
"Até que ponto ele é livre ou
um objeto da comunidade" é
uma das indagações do filme.
Há muitas mais.
(SA)
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Frase Índice
|