São Paulo, sábado, 14 de maio de 2011

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As causas de Camille

Ensaísta americana Camille Paglia, que participa de debate em SP, diz que internet empobrece a cultura e afasta jovens das artes e revela seu encanto por Elis Regina

STR New/ Reuters
A ensaísta norte-americana Camille Paglia

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Aos 64 anos, Camille Paglia está preocupada com o futuro das artes. Para ela, a ligeireza da internet empobrece a criação. E os jovens, sugados pela web, ignoram as referências artísticas.
Polemista vigorosa, ela diz estar entusiasmada com a música brasileira. Quer fazer uma campanha para criar um canal específico sobre isso nos EUA. No momento se delicia com a descoberta de Elis Regina.
Mais serena, ela se arrepende de ter sido muito arrogante no passado. Nesta entrevista, a intelectual especializada em letras e artes e famosa por suas análises sobre sexo e cultura fala sobre aborto, feminismo, união homoafetiva. E desabafa sua frustração com Obama.
Ela estará no Brasil nos próximos dias para o 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural.

 

Folha - Como andam as artes?
Camille Paglia - Em 2008, quando fui a Salvador, fiquei apaixonada pela música do Nordeste. Foi como nascer novamente. Eu descobri também Elis Regina! Ensinei arte a vida inteira e nunca tinha ouvido o nome dela! Eu encomendo os discos, estudo. Hoje é meu interesse número um: a música brasileira, a sua história, tudo. Estou aprendendo português. Escuto "Tempo Perdido", do Legião Urbana. Um dos meus objetivos é trazer a música brasileira para os EUA.
Na TV a cabo, há canais de música espanhola, clássica, hip hop. Mas não há de musica brasileira! Vai ser minha campanha quando eu terminar o livro que estou fazendo: trazer a música brasileira. A sofisticação dos ritmos e a qualidade dos vocais são tão superiores em relação ao que os jovens escutam agora.
Os jovens não têm acesso à música brasileira e isso é um escândalo.

E sobre literatura, poesia?
Não estou contente com o que está acontecendo no mundo das artes. Jovens estão mergulhados na tecnologia e na internet, se comunicando por celular, no Facebook, Twitter, o que tira muita energia criativa das artes, que estão numa séria crise.
As artes não têm mais o tipo de cachê, prestígio, energia. Só a área de animação está indo muito bem. O filme "Rio" é espetacular. Eu me preocupo com essa geração que cresceu com os videogames. Eles veem o mundo em termos de ciberespaço. Não com o material concreto, pintura, escultura. Estou escrevendo há quatro anos esse livro sobre a história das artes visuais, para o público em geral, e me pergunto: onde estão os principais artistas?

E onde estão?
Hoje não há mais nenhum artista importante no mundo. Em literatura também. Os jovens que cresceram nesse mundo da web, o tipo de imagens que veem na tela não tem a mesma qualidade das imagens da história da arte, imagens a óleo. Hoje é a técnica do Photoshop, da arte digital. Nos impressionistas, como Monet ou Renoir, um bosque pode ter 30 tons diferentes de verde. Os jovens nunca viram isso, as sutilezas, as sombras das pinturas.
Os jovens estão numa tela de computador e não têm noção de como fazer uma boa composição. É tudo ligeiro e depois se usa Photoshop. É perigoso politicamente. As fotos de Osama todo mundo pode dizer que foram modificadas pelo governo. Onde está a verdade, se tudo pode ser modificado digitalmente?

Qual sua opinião sobre Dilma?
Observo à distância com grande interessante. É maravilhoso ter uma mulher chefe de Estado.

E o Brasil?
Por causa da origem italiana da minha família, quando vou ao Brasil, é como se eu fosse para casa. Posso ser eu mesma integralmente, usar mãos e braços para falar.

Apesar dessa imagem liberal, o Brasil é um país com aspectos bem conservadores, como na legislação do aborto, não?
É verdade? Eu não sabia. Como é a lei?

O aborto é crime, só é autorizado em casos específicos. Só hoje [a entrevista ocorreu em 5/5] está em votação a lei que dá direitos civis a casais homoafetivos.
Sempre fui contra a expressão casamento gay, que trouxe problemas com religiosos. Sempre disse que se deveria chamar o tema como união civil. Gosto do fato de no Brasil estarem trazendo dessa forma, focando nos direitos da união civil.

E sobre o aborto?
Minha posição é de que a mulher tem total soberania sobre o seu corpo. Qualquer pessoa tem o direito de fazer qualquer ato sexual ou tomar drogas, desde que não interfira com responsabilidades, como, por exemplo, a de um motorista de ônibus. Da mesma forma em relação ao aborto. Ao mesmo tempo, aceito o argumento da direita de que aborto é assassinato. O que defendo é uma combinação das duas coisas: o Estado não tem o direito de dizer a nenhuma mulher o que ela deve fazer com o seu corpo. Mas digo: você está cometendo assassinato, mas tem o direito de fazê-lo.

A sra. criticou o movimento feminista. As mulheres no mundo estão melhorando de posição?
Critiquei o movimento feminista nos EUA. No mundo, o movimento feminista é uma força muito positiva, especialmente por intervir em situações em que mulheres são tratadas como propriedade, onde há casamentos arranjados ou abusos físicos. Nos EUA, fui muito crítica, pois o movimento feminista era antimasculino.

Algum arrependimento sobre a carreira?
Eu me arrependo de muita coisa de quando eu era professora, nos 1970, na escola de arte. Eu era selvagem.

Mas isso era ruim?
Eu era uma militante. Fiz todo o tipo de coisa maluca. Era cheia de arrogância, queria que o mundo mudasse imediatamente.

Quem não queria?
Pois é. Tive de aprender uma lição. Que as mudanças reais ou importantes fluem. Mudanças rápidas como uma revolução são seguidas geralmente não por justiça, mas por totalitarismos, como com Napoleão. Sou mais sábia. Eu gostava de tanta confrontação! Minha geração era assim: o mundo precisava ser mudado da noite para o dia como queríamos.

E a geração de hoje?
Agora, que somos velhos, estamos nos aposentando, causando problemas econômicos. Nos EUA, há uma hostilidade perceptível dos jovens, que olham para nós e sabem que não vão ter as oportunidades de emprego que tivemos e que terão um padrão de vida pior. Eles sentem que fomos muito autocentrados -e é verdade.

FOLHA.com
Leia a íntegra da entrevista
folha.com.br/il915322


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