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Brasileira e alemão estréiam coreografia criada para a Cia. 2 do Balé da Cidade de SP
As várias formas de amar
Denise Namura e Michael Bugdhan mostram novo trabalho de hoje a domingo no Municipal de SP
ANA FRANCISCA PONZIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em 1986, a brasileira Denise
Namura e o alemão Michael Bugdhan fundaram na França o grupo À Fleur de Peau (À Flor da Pele), que pouco tem se apresentado
no Brasil. Porém, a partir de hoje,
o trabalho da dupla poderá ser
apreciado no espetáculo que eles
acabam de criar para a Cia. 2 do
Balé da Cidade de São Paulo, "Como se Não Coubesse no Peito",
que estréia no Teatro Municipal.
Com formação em mímica e
teatro, Namura e Bugdhan transferiram esses recursos para a dança, gerando uma linguagem, no
mínimo, cativante.
Capazes de mostrar que das
miudezas do cotidiano provêm
uma sedução inesgotável, lidam
com elementos aparentemente
convencionais, como a narrativa.
E é da falta de compromissos com
o que pode ser mais facilmente
identificado como dança contemporânea que dão identidade especial a seus espetáculos.
Em "Como se Não Coubesse no
Peito", Namura e Bugdhan mais
uma vez elegem um tema batido e
corriqueiro -o amor. "Às vezes
exageramos propositalmente no
que pode ser piegas, para obter
uma inversão. No espetáculo anterior, "Allez-Retour Simple", havia personagens que abanavam
lencinhos para dizer adeus, algo
que ninguém mais ousa fazer. No
entanto cenas como essa acabam
reforçando a poesia da tragicomédia humana, que procuramos
expressar", diz Namura.
Com o grupo À Fleur de Peau,
Namura e Bugdhan geram seus
espetáculos a partir de prolongadas experimentações. Com formações heterogêneas, os integrantes do grupo costumam contribuir inclusive com seus defeitos
e limitações. "Nossa proposta é
fazer com que o corpo conte histórias, usando todos os seus recursos expressivos. Nos damos a
liberdade de usar a fala que, porém, serve apenas de pista para
desenhar os personagens", explica Namura.
Para os bailarinos da Cia. 2 do
BCSP, entre os quais predomina a
técnica da dança clássica, foi preciso dose extra de dedicação para
absorver a linguagem de Namura
e Bugdhan. "Há muito detalhe de
movimento em nossa escritura
coreográfica. Em curto espaço de
tempo, inserimos movimentações variadas, que não se repetem. A segmentação, que por vezes localiza a expressividade em
partes específicas do corpo, como
cabeça, pescoço ou peito, também
soou como novidade, mas o resultado final foi compensador."
Como de costume, Namura e
Bugdhan estimularam as contribuições pessoais na criação de
"Como se". "No início, chegamos
a pedir aos bailarinos que escrevessem cartas de amor." Desse inventário coletivo, surgiram as
idéias que estruturam o espetáculo e até as fotos que cada um retirou de seus próprios álbuns para
compor um painel cenográfico,
feito de projeção em vídeo.
"As situações são muito entrelaçadas. Por isso, não é possível
identificar o espetáculo como
uma colagem", diz Namura. Numa sucessão de cenas, "Como se"
conta com personagens diversos,
como a mulher que intelectualiza
o amor ou o homem que espera o
mesmo telefonema anos a fio.
"As facetas desses personagens
ecoam, em conjunto, dentro de
todos nós. O espetáculo coloca
questões, mas não dá respostas.
Procuramos rir do que é trágico, e
isso funciona como uma pitada
de esperança." Um certo escárnio
também pontua o trabalho de Namura e Bugdhan, que hoje consideram a mímica um recurso "incrustado" em sua linguagem.
"A partir da mímica, procuramos descobrir uma maneira própria de dançar", afirmam. Eles
também têm na música um referencial específico. "As músicas
impulsionam a criação coreográfica e influenciam a qualidade dos
movimentos."
Em busca de maior unidade em
suas trilhas, a dupla escolheu
composições de Charles Trenet,
Manoel Coelho Bellido (autor
brasileiro dos anos 30), Joe Jackson, Yann Tiersen, Denez Prigent
e Wim Mertens para embalar as
inquietações dos personagens de
"Como se". As canções já se ouvem enquanto os espectadores
chegam ao teatro.
Produzido em um mês para a
Cia. 2, "Como se" tem como embrião o espetáculo "Plus que Hier
et Moins que Demain" (Mais que
Ontem e Menos do que Amanhã),
que Namura e Bugdhan criaram
ano passado na Suíça, para o Ballet do Teatro Estatal de Berna.
Nascida em São Paulo, onde estudou expressão corporal e capoeira, Namura vive há 21 anos na
França, para onde se mudou em
busca de formação em mímica.
Em Paris, antes de fundar o grupo
À Fleur de Peau, ela frequentou
cursos de Ella Jaroszewicz, Jerzy
Grotowski e Josef Nadj. Nesses
ambientes de dança e teatro, ela
conheceu Bugdhan, que vinha de
Wuppertal, a cidade-sede da
companhia de Pina Bausch.
Cineasta e escritor, Bugdhan
também estudou mímica para,
depois, com Namura, fundir expressões e chegar ao requinte do
À Fleur de Peau, que agora eles
transferem para a Cia. 2 do BCSP.
COMO SE NÃO COUBESSE NO PEITO -
De: Denise Namura e Michael Bugdhan,
com a Cia. 2. Onde: Teatro Municipal
(pça. Ramos de Azevedo, s/nš; tel. 0/xx/
11/222-8698). Quando: hoje, amanhã,
sáb. e seg., às 21h; dom., às 17h. Quanto:
de R$ 2 a R$ 8. Patrocinador: Petrobras.
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