São Paulo, quinta-feira, 14 de junho de 2001

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Brasileira e alemão estréiam coreografia criada para a Cia. 2 do Balé da Cidade de SP

As várias formas de amar

Denise Namura e Michael Bugdhan mostram novo trabalho de hoje a domingo no Municipal de SP

ANA FRANCISCA PONZIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em 1986, a brasileira Denise Namura e o alemão Michael Bugdhan fundaram na França o grupo À Fleur de Peau (À Flor da Pele), que pouco tem se apresentado no Brasil. Porém, a partir de hoje, o trabalho da dupla poderá ser apreciado no espetáculo que eles acabam de criar para a Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo, "Como se Não Coubesse no Peito", que estréia no Teatro Municipal.
Com formação em mímica e teatro, Namura e Bugdhan transferiram esses recursos para a dança, gerando uma linguagem, no mínimo, cativante.
Capazes de mostrar que das miudezas do cotidiano provêm uma sedução inesgotável, lidam com elementos aparentemente convencionais, como a narrativa. E é da falta de compromissos com o que pode ser mais facilmente identificado como dança contemporânea que dão identidade especial a seus espetáculos.
Em "Como se Não Coubesse no Peito", Namura e Bugdhan mais uma vez elegem um tema batido e corriqueiro -o amor. "Às vezes exageramos propositalmente no que pode ser piegas, para obter uma inversão. No espetáculo anterior, "Allez-Retour Simple", havia personagens que abanavam lencinhos para dizer adeus, algo que ninguém mais ousa fazer. No entanto cenas como essa acabam reforçando a poesia da tragicomédia humana, que procuramos expressar", diz Namura.
Com o grupo À Fleur de Peau, Namura e Bugdhan geram seus espetáculos a partir de prolongadas experimentações. Com formações heterogêneas, os integrantes do grupo costumam contribuir inclusive com seus defeitos e limitações. "Nossa proposta é fazer com que o corpo conte histórias, usando todos os seus recursos expressivos. Nos damos a liberdade de usar a fala que, porém, serve apenas de pista para desenhar os personagens", explica Namura.
Para os bailarinos da Cia. 2 do BCSP, entre os quais predomina a técnica da dança clássica, foi preciso dose extra de dedicação para absorver a linguagem de Namura e Bugdhan. "Há muito detalhe de movimento em nossa escritura coreográfica. Em curto espaço de tempo, inserimos movimentações variadas, que não se repetem. A segmentação, que por vezes localiza a expressividade em partes específicas do corpo, como cabeça, pescoço ou peito, também soou como novidade, mas o resultado final foi compensador."
Como de costume, Namura e Bugdhan estimularam as contribuições pessoais na criação de "Como se". "No início, chegamos a pedir aos bailarinos que escrevessem cartas de amor." Desse inventário coletivo, surgiram as idéias que estruturam o espetáculo e até as fotos que cada um retirou de seus próprios álbuns para compor um painel cenográfico, feito de projeção em vídeo.
"As situações são muito entrelaçadas. Por isso, não é possível identificar o espetáculo como uma colagem", diz Namura. Numa sucessão de cenas, "Como se" conta com personagens diversos, como a mulher que intelectualiza o amor ou o homem que espera o mesmo telefonema anos a fio.
"As facetas desses personagens ecoam, em conjunto, dentro de todos nós. O espetáculo coloca questões, mas não dá respostas. Procuramos rir do que é trágico, e isso funciona como uma pitada de esperança." Um certo escárnio também pontua o trabalho de Namura e Bugdhan, que hoje consideram a mímica um recurso "incrustado" em sua linguagem.
"A partir da mímica, procuramos descobrir uma maneira própria de dançar", afirmam. Eles também têm na música um referencial específico. "As músicas impulsionam a criação coreográfica e influenciam a qualidade dos movimentos."
Em busca de maior unidade em suas trilhas, a dupla escolheu composições de Charles Trenet, Manoel Coelho Bellido (autor brasileiro dos anos 30), Joe Jackson, Yann Tiersen, Denez Prigent e Wim Mertens para embalar as inquietações dos personagens de "Como se". As canções já se ouvem enquanto os espectadores chegam ao teatro.
Produzido em um mês para a Cia. 2, "Como se" tem como embrião o espetáculo "Plus que Hier et Moins que Demain" (Mais que Ontem e Menos do que Amanhã), que Namura e Bugdhan criaram ano passado na Suíça, para o Ballet do Teatro Estatal de Berna.
Nascida em São Paulo, onde estudou expressão corporal e capoeira, Namura vive há 21 anos na França, para onde se mudou em busca de formação em mímica. Em Paris, antes de fundar o grupo À Fleur de Peau, ela frequentou cursos de Ella Jaroszewicz, Jerzy Grotowski e Josef Nadj. Nesses ambientes de dança e teatro, ela conheceu Bugdhan, que vinha de Wuppertal, a cidade-sede da companhia de Pina Bausch.
Cineasta e escritor, Bugdhan também estudou mímica para, depois, com Namura, fundir expressões e chegar ao requinte do À Fleur de Peau, que agora eles transferem para a Cia. 2 do BCSP.


COMO SE NÃO COUBESSE NO PEITO - De: Denise Namura e Michael Bugdhan, com a Cia. 2. Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nš; tel. 0/xx/ 11/222-8698). Quando: hoje, amanhã, sáb. e seg., às 21h; dom., às 17h. Quanto: de R$ 2 a R$ 8. Patrocinador: Petrobras.


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