São Paulo, sábado, 14 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

POESIA

Novo livro do autor português vencedor do Prêmio Camões 2001 é lançado em Portugal e na Espanha neste semestre

Eugénio de Andrade cria a partir da sede

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Eugénio de Andrade está com sede. "Aos 78 anos, ainda é possível desejar, ter sede de algo", diz o poeta português, vencedor do Prêmio Camões 2001, divulgado na última terça-feira em Lisboa.
Esse é o tema de seu mais novo livro, "Os Sulcos de Sede", que será lançado simultaneamente em Portugal e na Espanha neste semestre, mas ainda não tem lançamento previsto no Brasil. "O prêmio e o livro por sair são exemplos de que ainda estou sedento de poesia", diz.
A extensa obra de Andrade -mais de 30 livros de poesia, três de prosa, livros infantis, antologias e traduções- não possui muitas edições brasileiras. A mais recente é a coletânea "Poemas de Eugénio de Andrade" (ed. Nova Fronteira, 99).
Para ele, sua poesia está diretamente vinculada à tradição literária portuguesa. Também os temas e cenários são os de seu país natal. Seus versos passeiam entre figueiras e mulheres de trajes negros dos vilarejos (há muito que são velhas,/ vestidas de preto até a alma./ Contra o muro defendem-se do sol de pedra;/ ao lume furtam-se ao frio do mundo).
Eugénio de Andrade, ou José Fontinhas, seu verdadeiro nome, nasceu em Póvoa de Atalaia, mas vive há mais de 50 anos na Foz, bairro da cidade do Porto junto ao mar. No começo dos anos 90, foi criada ali a Fundação Eugénio de Andrade, para reeditar sua obra e divulgar a poesia em geral.
"Não tenho vida social absolutamente nenhuma", diz o poeta, avesso a entrevistas e ao convívio literário. Para ele, o isolamento é necessário à criação poética.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Eugénio de Andrade concedeu à Folha, por telefone, da Foz do Douro.

Folha - O sr. foi premiado pelo conjunto da obra, mas "As Mãos e os Frutos" (1948) ainda é considerado seu trabalho mais importante. O que acha desse livro?
Eugénio de Andrade -
"As Mãos e os Frutos" foi meu primeiro trabalho publicado e me tornou conhecido internacionalmente. Mas eu não sinto que devo muito a esse livro. Particularmente, prefiro os trabalhos da fase mais recente, como "Branco no Branco" [1984".

Folha - É uma fase marcada pelo fato de o sr. ter trocado Lisboa pela Foz, no Porto?
Andrade -
Sim, a Foz é um lugar mais isolado, e eu não gosto de ter nenhum tipo de convívio literário. Nunca procurei fazê-lo, e isso, na minha opinião, tem a ver com a poesia, que requer uma vida própria, longe desses grupos.

Folha - E o que caracteriza essa fase em termos de estilo?
Andrade -
Acho que reforcei o uso de uma linguagem mais rigorosa e ao mesmo tempo simples. A simplicidade é a elegância suprema, o que há de mais difícil para conquistar em arte. Quero a leveza, é o que me parece correto. Críticos já disseram que minha poesia é ao mesmo tempo espiritual e fascinada pela matéria.

Folha - E quanto à temática?
Andrade -
Bom, aí não há muito o que inventar. Você sabe que os os temas de um poeta são sempre os mesmos, o amor, a morte, a natureza, os animais, compreende? Portugal está sempre presente, também. É um pouco difícil definir, pois a poesia não se conta. Eu não escrevo poemas épicos, e ninguém já os escreve mais, não é?

Folha - O sr. é um admirador de Camilo Pessanha, mas não gosta de ser identificado com rótulos literários. Como define suas influências?
Andrade -
Não gosto de falar em influência, para mim essa palavra não faz sentido. Camilo Pessanha é um dos quatro grandes poetas portugueses. Os outros três são Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa. Por isso, automaticamente sou um devedor deles, assim como me sinto devedor da poesia grega e da chinesa. Somos devedores daquilo que lemos.

Folha - Suas antologias são uma forma de recuperar tais "dívidas"?
Andrade -
Sim, construir antologias é algo de que gosto muito. No ano passado, lancei "Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa", que vai desde os cancioneiros, cantigas de amigo até poetas contemporâneos, como Herberto Helder. São coletâneas feitas a partir do meu interesse.

Folha - O que o sr. busca quando faz traduções de escritores como García Lorca?
Andrade -
Faço traduções por impulso pessoal, nunca por encomenda. Gosto de fazer uma espécie de recriação, claro que traduções são, no melhor sentido, uma aproximação, e, no pior, uma caricatura. Prefiro tentar alcançar a primeira, evidentemente.

Folha - O sr. lê literatura brasileira? O que mais o agrada?
Andrade -
Quando era jovem, deu-me a impressão de que havia um interesse maior pelos romances brasileiros em Portugal. O que se lia muito era Jorge Amado e Graciliano Ramos. Para mim, Guimarães Rosa é melhor prosador da língua portuguesa depois do Eça de Queiroz.


Texto Anterior: Jazz: Livro de Ken Burns está à venda em SP
Próximo Texto: Trecho
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.