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São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2003

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Arte de Emmanuel Nassar, formada por elementos populares e eruditos, ganha retrospectiva

A estética da precariedade

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Se há um artista brasileiro que consegue reunir de forma original arte popular e arte erudita em uma mesma obra, esse artista é o amazonense Emmanuel Nassar.
Cada um de seus trabalhos é carregado de elementos da cultura popular -cuja criatividade, segundo o geógrafo Milton Santos (1926-2002), é fruto da experiência da escassez-, ao mesmo tempo em que cria uma sofisticada linguagem particular.
"Sua obra contrapõe a sabedoria do povo ao agressivo processo de globalização que invade a periferia das cidades amazônicas. Entre a farsa e a ironia, Emmanuel nos revela as engenhocas que driblam a extrema pobreza cada vez mais confrontada com a extrema riqueza", diz a curadora Denise Mattar, responsável pela retrospectiva "A Poesia da Gambiarra", que é aberta hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio, com cerca de 40 obras.
A gambiarra no título da mostra assume o papel de apontar a brasilidade na obra de Nassar, sem cair num alegorismo. "A gambiarra é de fato uma expressão da realidade brasileira, expressa na precariedade e no perigoso, que pode estourar a qualquer momento, mas mesmo assim funciona, assim como ocorre na obra de Emmanuel", afirma Mattar.
Tal percurso tem por base um conceito sintético: "Meu tema sou eu", costuma dizer Nassar, 54. "Digo isso pois quero me aprofundar em minhas questões pessoais. Como sou um brasileiro comum, nascido em Capanema, no Amazonas, vivo num estado de precariedade, ao mesmo tempo em que tenho boas oportunidades e posso aproveitá-las."
A mostra, que ocupa quatro salas do CCBB, além de uma instalação no foyer do edifício, apresenta desde obras produzidas em 1981 até fotografias recentes. "A princípio, comecei a fotografar para ter referências para obras, mas esse conjunto ganhou autonomia, e considero-o uma forma de apropriação", afirma o artista. Entre elas, há uma bandeira brasileira, propaganda em um bar, que trocou o "Ordem e Progresso" por "Rumo ao Penta". Nassar apagou digitalmente os dizeres e introduziu apenas o "EN", sua assinatura e marca registrada.
"Essa assinatura assume um lado particular, o "E", de meu nome, mas também o "N", que significa que pertenço a uma família, a uma história. Contraponho assim o particular e o universal, uma obsessão em meus trabalhos".
Acompanha a exposição um catálogo polpudo, com textos de Mattar e dos curadores Tadeu Chiarelli e Paulo Herkenhoff, o primeiro livro de fôlego sobre o artista. Depois do Rio, a mostra segue para o CCBB de Brasília e, no próximo ano, para São Paulo, em local a ser definido.
O artista apresenta ainda a instalação "Bandeiras", exposta no MAM de São Paulo, em 1998, com parte das 123 bandeiras de cidades do Amazonas, uma colcha de retalhos que apresenta uma iconografia que incorpora, a partir da tradição medieval, a flora e a fauna amazonenses, cruzamento perfeito do erudito e do popular.

O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite do CCBB


A POESIA DA GAMBIARRA. Curadoria: Denise Mattar. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Primeiro de Março, 66, Centro, Rio, tel. 0/xx/21/3808-2020). Quando: abertura hoje, às 19h30 (para convidados); de ter. a dom., das 12h às 20h. Até 21/9. Quanto: entrada franca.


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