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Crítica/cinema
Ambigüidade dos EUA aparece na transexual de "Transamérica"
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
No cinema, 2005 foi um
ano pródigo em homens de meia-idade
que descobrem ter um filho que
nunca conheceram. Seja em
"Flores Partidas", seja em "Estrela Solitária", esses machões
desiludidos são obrigados a rever, a contragosto, um misterioso passado e ex-namoradas
para imaginar, afinal, o que a vida poderia ter sido e não foi,
quais os estranhos rumos que
são dados a cada pessoa tomar.
O homem, ou melhor, o transexual de "Transamérica" -filme do ano passado que estréia
agora no Brasil-, no entanto,
mira o futuro. Em vez de olhar
para suas relações do passado e
sua antiga vida, ele/ela imagina
um amanhã mais promissor e
vive dessa ilusão.
Bree (Felicity Huffman) está
prestes a fazer a operação que a
transformará de vez em mulher
quando descobre que tem um
filho adolescente em apuros.
Seu passado não será colocado
em xeque. Isso está bem resolvido em sua cabeça, já que Toby
(Kevin Zegers), o inesperado filho, é fruto de uma única "transa quase lésbica". Em princípio,
o rapaz é apenas um mero empecilho à realização de seu sonho, tanto que só pensará em
despachar o garoto o mais rápido possível para seu padrasto.
"Transamérica" se configura
então como um "road movie"
tradicional, em que a estrada
torna-se o palco das transformações pelas quais os protagonistas terão que passar. Estrada
tortuosa, e não mera paródia,
diga-se, mesmo que em vários
momentos o filme decaia e se
preocupe mais em destacar o
exotismo kitsch dos personagens -como se a única intenção desta comédia dramática
fosse mostrar que o transexual
merece o mesmo tratamento
das pessoas ditas "normais".
O único homem que vai demonstrar interesse sexual por
Bree, por exemplo, é um descendente de índio, e a insinuação de que apenas um outro integrante de uma minoria, desta
vez étnica, pudesse ver os encantos da personagem não é
mera coincidência. Há uma divisão bem clara, entre os "estranhos" da tela (Bree e o núcleo disfuncional que circula
em torno dela) e o status quo.
Aparências
Na América de "Transamérica", a felicidade nunca está ao
alcance, ela vem sempre como
um sonho inacessível escondido em algum ponto além. Nesse
mundo consumista, sorrisos de
mentira em fotografias escondem famílias desestruturadas,
e, se a vida não deu certo -ou se
a vida já começou errada-, a
única saída possível é mudar
tudo e começar de novo. Bree
terá que aprender a ser pai e
mãe ao mesmo tempo, e por
fim se transformar de fato naquilo que sempre fingiu ser.
O que impede que tudo se resuma a uma metáfora um tanto
óbvia do transexual como sinônimo de um país como os EUA,
que por fora aparenta uma coisa e por dentro é outra, é a própria condição de Felicity Huffman. Ela é intensa em sua discrição a ponto de definir o equilíbrio do filme, já que se trata de
uma mulher interpretando um
homem aprendendo a ser mulher. Mas "Transamérica" não é
uma viagem em círculos. Mesmo que seja fábula moral do tipo "cuidado com o que você deseja", cutuca fundo na percepção do espectador, já que mexe
com a própria idéia das representações sociais que todos
exercem. E isso são coisas que
não acontecem apenas nos Estados Unidos.
TRANSAMÉRICA
Direção: Duncan Tucker
Com: Felicity Huffman, Kevin Zegers, Fionnula Flanagan
Quando: em cartaz nos cines Frei
Caneca Unibanco Arteplex, Lumière
e circuito
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