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Crítica/cinema
Kitano vive anti-herói violento e opressor
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Poucos filmes, hoje, têm a
coragem de apresentar
um protagonista tão repulsivo quanto Kim Shunpei, o
anti-herói vivido por Takeshi
Kitano na saga "Consumido pelo Ódio", de Yoichi Sai. Violento
e autoritário, Shunpei não parece conhecer outra forma de
agir que não pela força bruta,
criando um muro de infelicidade ao seu redor.
As primeiras imagens do filme, com Shunpei jovem a bordo de um navio de imigrantes
coreanos em direção a Osaka,
no Japão, sugerem um conto de
esperança e prosperidade, como em uma versão oriental do
"sonho americano" ao qual
Hollywood nos acostumou.
Mas trata-se de pista falsa.
"Consumido pelo Ódio" toma rumos diferentes, nos quais
Shunpei consegue, sim, prosperar financeiramente, mas essa prosperidade é construída
sobre uma base amarga de exploração e violência.
Na mesma medida em que
expande seu patrimônio, Shunpei aumenta sua família. Casa-se com uma imigrante coreana
e tem filhos; depois traz para
dentro de casa a amante e, mais
adiante, quando a amante
adoece, abriga uma terceira
mulher. Todos passam a integrar aquele pedaço da Coréia
incrustado no Japão, universo
fechado em que Shunpei exerce
o papel de tirano e impõe sua
vontade à força, interrompido
apenas eventualmente por rasgos de rebeldia imediatamente
abafados por atos brutais.
Não por acaso, o papel individual de Shunpei traz fortes paralelos em relação ao papel que
o Japão exerceu durante anos
sobre a Coréia, como país imperialista e opressor.
Narração objetiva
A direção de Yoichi Sai, que
foi assistente de Nagisa Oshima, não suaviza a saga de Shunpei para torná-la mais palatável
ao espectador a não ser, talvez,
pelo fato de o filme ser narrado
por um de seus filhos (ou seja,
pelo lado do oprimido). A narração, objetiva e pontual, não
desvia o foco do filme das ações
de seu anti-herói, em nenhum
momento justificadas.
A proposta de "Consumidos
pelo Ódio" é extremamente física e corporal, concretizando-se com perfeição na figura de
Takeshi Kitano. Os últimos
suspiros de Shunpei não fazem
dele uma pessoa melhor nem
transformam sua percepção
junto ao espectador. O fim é o
fim, apenas -não assopra falsas esperanças nem arranca lágrimas de crocodilo.
CONSUMIDO PELO ÓDIO
Direção: Yoichi Sai
Com: Takeshi Kitano, Hirofumi Arai
Quando: Em cartaz nos cines Espaço
Unibanco 1, Frei Caneca e Unibanco
Arteplex 9
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