São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 2006

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Crítica/cinema

Kitano vive anti-herói violento e opressor

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Poucos filmes, hoje, têm a coragem de apresentar um protagonista tão repulsivo quanto Kim Shunpei, o anti-herói vivido por Takeshi Kitano na saga "Consumido pelo Ódio", de Yoichi Sai. Violento e autoritário, Shunpei não parece conhecer outra forma de agir que não pela força bruta, criando um muro de infelicidade ao seu redor.
As primeiras imagens do filme, com Shunpei jovem a bordo de um navio de imigrantes coreanos em direção a Osaka, no Japão, sugerem um conto de esperança e prosperidade, como em uma versão oriental do "sonho americano" ao qual Hollywood nos acostumou.
Mas trata-se de pista falsa. "Consumido pelo Ódio" toma rumos diferentes, nos quais Shunpei consegue, sim, prosperar financeiramente, mas essa prosperidade é construída sobre uma base amarga de exploração e violência.
Na mesma medida em que expande seu patrimônio, Shunpei aumenta sua família. Casa-se com uma imigrante coreana e tem filhos; depois traz para dentro de casa a amante e, mais adiante, quando a amante adoece, abriga uma terceira mulher. Todos passam a integrar aquele pedaço da Coréia incrustado no Japão, universo fechado em que Shunpei exerce o papel de tirano e impõe sua vontade à força, interrompido apenas eventualmente por rasgos de rebeldia imediatamente abafados por atos brutais.
Não por acaso, o papel individual de Shunpei traz fortes paralelos em relação ao papel que o Japão exerceu durante anos sobre a Coréia, como país imperialista e opressor.

Narração objetiva
A direção de Yoichi Sai, que foi assistente de Nagisa Oshima, não suaviza a saga de Shunpei para torná-la mais palatável ao espectador a não ser, talvez, pelo fato de o filme ser narrado por um de seus filhos (ou seja, pelo lado do oprimido). A narração, objetiva e pontual, não desvia o foco do filme das ações de seu anti-herói, em nenhum momento justificadas.
A proposta de "Consumidos pelo Ódio" é extremamente física e corporal, concretizando-se com perfeição na figura de Takeshi Kitano. Os últimos suspiros de Shunpei não fazem dele uma pessoa melhor nem transformam sua percepção junto ao espectador. O fim é o fim, apenas -não assopra falsas esperanças nem arranca lágrimas de crocodilo.


CONSUMIDO PELO ÓDIO    
Direção: Yoichi Sai
Com: Takeshi Kitano, Hirofumi Arai
Quando: Em cartaz nos cines Espaço Unibanco 1, Frei Caneca e Unibanco Arteplex 9


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