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Crítica/teatro
Cidade e público são centro de festival
Intervenções urbanas são principal marca do FIT, em Rio Preto; grupo argentino é destaque com ótimo "audiotour"
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Sympathisons avec la
population!" Logo
na abertura do 7º
Festival Internacional de Rio
Preto (FIT), a palavra de ordem, lançada por um ator da
companhia francesa Transe
Express no já tradicional palco
ao ar livre na represa municipal, parecia querer corresponder aos anseios de um panfleto
distribuído clandestinamente
minutos antes pelo Movimento
Teatro em Resistência, do Associart (Associação dos Artistas, Técnicos e Produtores Teatrais de São José do Rio Preto).
Revoltada contra o fato de os
artistas locais ocuparem "menos de 1%" do FIT, que para
seus 13 dias (começou na segunda, dia 9, e segue até 21/7)
recebeu mais investimento que
a Secretaria Municipal da Cultura no ano inteiro, a Associart
se preocupa com um fenômeno
presente em todos os festivais
de teatro, de ser um evento passageiro que em geral não fomenta a produção da cidade.
Não parece ser falta de interesse do público local: os ingressos se esgotam rapidamente, há trocas intensas de dicas
no Orkut e, na abertura, o público, ávido, estimado em 3.000
pessoas, aguardando a entrada
do Transe Express, chegou a
aplaudir um atônito cachorro
que atravessava o palco vazio.
Mas é injusto também acusar
a curadoria de elitismo: são raros os festivais que se preocupam, como o FIT, em dialogar
com a cidade. A marca do festival é a das intervenções urbanas, com espetáculos concebidos para atingir o transeunte,
gratuitamente ou por até R$ 10.
Assim, o próprio Transe Express, simpática aldeia de Asterix que não teme cair do céu sobre a cabeça do público, não se
limitou ao habitual número de
tambores e móbile humano.
Convocou a fanfarra da escola
Darcy Ribeiro para rivalizar
nos tambores e, descendo do
guindaste de alturas inatingíveis, fizeram-se "expulsar" do
palco pelo hip hop riopretense.
De forma mais marcante, o
grupo argentino BiNeural-Monokultur chegou semanas antes e estruturou "O Caminho
X" em uma pesquisa com historiadores locais, já que neste seu
"Audiotour Ficcional" o protagonista é a cidade, na qual o público transita com fones de ouvido explicativos.
Os criadores Ariel Dávila e a
alemã Christina Ruf, conciliando memória local e olhar estrangeiro, já haviam feito isso
em Córdoba, cidade de origem
do grupo. Em Rio Preto, encontraram uma cidade com problemas semelhantes: no afã de se
modernizar, acaba apagando o
passado, como se fosse um
complô contra os habitantes.
Trama policial
Juntando placas semi-apagadas, estátuas roubadas, fragmentos de uma mitologia urbana esquecida, alusões religiosas
que já não atingem os habitantes, o BiNeural constrói uma
divertida e engenhosa trama
policial, unindo até o delírio paranóico elementos do cotidiano que conseguem fazer até o
mais tradicional morador olhar
sua cidade com olhos novos.
Saindo de 15 em 15 minutos
do ponto de encontro, o público, solitário, segue instruções
aflitas de Artur Castro para o
padre Jonas, em uma fita encontrada pela polícia depois
que ambos desapareceram. É
irresistível a sensação de se tornar o padre, quando se ouve
coisas como "olhe para essa
mulher na sua frente: ela em
breve vai desaparecer da memória de todos".
Ao contar com a cumplicidade de padres e agentes de segurança da cidade, já que o público-performer deve invadir a catedral e a estação de trem por
portões escondidos, além dos
atores locais Bia Moretti e Guido Caratori (que faz a voz de
Artur Castro com uma impagável entonação de novela de rádio), "O Caminho X" é uma experiência única, que faz de Rio
Preto uma cidade mágica.
O CAMINHO X -
AUDIOTOUR FICCIONAL
Quando: diariamente, às 14h, até 21/7
Onde: em frente à catedral da cidade Avaliação: ótimo
O crítico SÉRGIO SALVIA COELHO e a repórter-fotográfica LENISE PINHEIRO viajaram a convite da organização do festival
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