São Paulo, sábado, 14 de julho de 2007

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Crítica/teatro

Cidade e público são centro de festival

Intervenções urbanas são principal marca do FIT, em Rio Preto; grupo argentino é destaque com ótimo "audiotour"

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Sympathisons avec la population!" Logo na abertura do 7º Festival Internacional de Rio Preto (FIT), a palavra de ordem, lançada por um ator da companhia francesa Transe Express no já tradicional palco ao ar livre na represa municipal, parecia querer corresponder aos anseios de um panfleto distribuído clandestinamente minutos antes pelo Movimento Teatro em Resistência, do Associart (Associação dos Artistas, Técnicos e Produtores Teatrais de São José do Rio Preto).
Revoltada contra o fato de os artistas locais ocuparem "menos de 1%" do FIT, que para seus 13 dias (começou na segunda, dia 9, e segue até 21/7) recebeu mais investimento que a Secretaria Municipal da Cultura no ano inteiro, a Associart se preocupa com um fenômeno presente em todos os festivais de teatro, de ser um evento passageiro que em geral não fomenta a produção da cidade.
Não parece ser falta de interesse do público local: os ingressos se esgotam rapidamente, há trocas intensas de dicas no Orkut e, na abertura, o público, ávido, estimado em 3.000 pessoas, aguardando a entrada do Transe Express, chegou a aplaudir um atônito cachorro que atravessava o palco vazio.
Mas é injusto também acusar a curadoria de elitismo: são raros os festivais que se preocupam, como o FIT, em dialogar com a cidade. A marca do festival é a das intervenções urbanas, com espetáculos concebidos para atingir o transeunte, gratuitamente ou por até R$ 10.
Assim, o próprio Transe Express, simpática aldeia de Asterix que não teme cair do céu sobre a cabeça do público, não se limitou ao habitual número de tambores e móbile humano. Convocou a fanfarra da escola Darcy Ribeiro para rivalizar nos tambores e, descendo do guindaste de alturas inatingíveis, fizeram-se "expulsar" do palco pelo hip hop riopretense.
De forma mais marcante, o grupo argentino BiNeural-Monokultur chegou semanas antes e estruturou "O Caminho X" em uma pesquisa com historiadores locais, já que neste seu "Audiotour Ficcional" o protagonista é a cidade, na qual o público transita com fones de ouvido explicativos.
Os criadores Ariel Dávila e a alemã Christina Ruf, conciliando memória local e olhar estrangeiro, já haviam feito isso em Córdoba, cidade de origem do grupo. Em Rio Preto, encontraram uma cidade com problemas semelhantes: no afã de se modernizar, acaba apagando o passado, como se fosse um complô contra os habitantes.

Trama policial
Juntando placas semi-apagadas, estátuas roubadas, fragmentos de uma mitologia urbana esquecida, alusões religiosas que já não atingem os habitantes, o BiNeural constrói uma divertida e engenhosa trama policial, unindo até o delírio paranóico elementos do cotidiano que conseguem fazer até o mais tradicional morador olhar sua cidade com olhos novos.
Saindo de 15 em 15 minutos do ponto de encontro, o público, solitário, segue instruções aflitas de Artur Castro para o padre Jonas, em uma fita encontrada pela polícia depois que ambos desapareceram. É irresistível a sensação de se tornar o padre, quando se ouve coisas como "olhe para essa mulher na sua frente: ela em breve vai desaparecer da memória de todos".
Ao contar com a cumplicidade de padres e agentes de segurança da cidade, já que o público-performer deve invadir a catedral e a estação de trem por portões escondidos, além dos atores locais Bia Moretti e Guido Caratori (que faz a voz de Artur Castro com uma impagável entonação de novela de rádio), "O Caminho X" é uma experiência única, que faz de Rio Preto uma cidade mágica.

O CAMINHO X - AUDIOTOUR FICCIONAL


Quando: diariamente, às 14h, até 21/7
Onde: em frente à catedral da cidade Avaliação: ótimo



O crítico SÉRGIO SALVIA COELHO e a repórter-fotográfica LENISE PINHEIRO viajaram a convite da organização do festival


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