São Paulo, terça-feira, 14 de julho de 2009 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cannes? Veneza? Não, Paulínia Festival do interior paulista atrai nata do cinema brasileiro com prêmios milionários pagos com dinheiro de petróleo
na plateia, quase ninguém ANA PAULA SOUSA ENVIADA ESPECIAL A PAULÍNIA
"Se caísse o avião da Azul,
metade do cinema nacional
acabava", brincou Júlio Uchoa,
da Lereby, produtora de Daniel
Filho. Morbidez à parte, o produtor tinha razão. No voo estavam, além dos produtores do
maior vendedor de ingressos
brasileiro, executivos da Globofilmes e das principais produtoras nacionais. Isso sem falar nos representantes do cinema autoral, como Ruy Guerra.
Paulínia, município de 60 mil
habitantes a 120 quilômetros
da capital, transformou-se em
um pote de ouro. Em dois anos,
a cidade investiu R$ 9 milhões
em 20 longas. Da fazenda de "O
Menino da Porteira" ao enterro
do protagonista de "Jean Charles", várias cenas foram filmadas ali. Até os ataques do PCC
foram transferidos para lá, no
inédito "Salve Geral".
A sensação de quem chega a
Paulínia é a de que uma nave
espacial chegou ali e, com artes
e manhas da ficção científica,
fez surgir um teatro de causar
inveja à Sala São Paulo, um prédio envidraçado que cairia bem
ao Reichstag e uma escola de cinema onde tudo cheira a novo.
Tal estrutura é fruto da lei
que transfere para o Fundo
Municipal de Cultura 1,5% do
total da arrecadação de ISS e
ICMS do município que abriga
um polo petroquímico. Neste
ano, o Fundo deve receber R$
15 milhões. Apenas a realização
do 2º Festival de Paulínia, aberto na última quinta-feira, consumiu R$ 5 milhões. Para se ter
uma ideia, o tradicional Festival de Brasília tem orçamento
de R$ 2,3 milhões. A cifra chamou a atenção do Ministério
Público que, em um inquérito
civil, argumenta que a cidade
gasta esses milhões em detrimento de investimentos sociais. "Gastamos 23% do orçamento em saúde e 33% em educação", defende-se o prefeito,
José Pavan Junior (DEM).
O festival tem 14 longas inéditos e um tapete vermelho
que, segundo um dos convidados, é maior que o de Cannes e
Veneza somados. Entre as celebridades da abertura estavam
Cauã Reymond, Débora Bloch,
Selton Mello e Lázaro Ramos.
Para dividir o espetáculo com a
população, a prefeitura montou duas arquibancadas. Mas os
assentos ficaram quase vazios.
O que levou boa parte do cinema brasileiro à festa foi o edital de produção que distribuiu
R$ 9 milhões entre 10 filmes.
Ao todo, 44 produtores mandaram projetos. Desses, 22 foram
chamados para a defesa oral e
10 premiados. O edital estipula
que 40% do orçamento deve
ser investido na cidade e a equipe deve passar 25% do tempo
de filmagem ali. "Não nos cabe
entrar em critérios artísticos.
Queremos saber quantas externas o filme tem e o quanto mobiliza a cidade", diz Ivan Melo,
diretor do festival. A comissão
premiou filmes dos mais variados feitios, como "As Vidas de
Chico Xavier", de Daniel Filho,
e "Transeunte", de Erik Rocha,
filho de Glauber.
"Demorei um pouco para
acreditar que Paulínia era um
veículo real de financiamento",
diz Mauricio Andrade Ramos,
da VideoFilmes, produtora de
"Transeunte". "Quando cheguei, questões arquitetônicas à
parte, fiquei impressionado."
"As pessoas estão acreditando que isto não acabará amanhã", diz o secretário de Cultura, Emerson Alves, escaldado
com os olhares de desconfiança. Alves diz, ainda, não aguentar mais a pergunta sobre o
porquê de a cidade, a despeito
do gigantismo do polo, não ter
sala de exibição. "Exibição não
gera emprego. Estamos formando mão de obra local."
Alves, antes de se tornar secretário, foi diretor de finanças
do prefeito anterior, Edson
Moura (PMDB), idealizador do
projeto. Perguntado sobre as
irregularidades daquela gestão,
que responde a processos por
improbidade administrativa, o
secretário diz que esses problemas não têm nada a ver com o
polo. "Os processos dizem respeito a procedimentos anteriores à lei de responsabilidade fiscal", diz o secretário.
Ele aproveita a referência ao
ex-prefeito para explicar a origem do projeto grandioso. "O
Edson [Moura] veio do Nordeste e não teve acesso ao cinema.
O glamour tem a ver com a
ideia fixa que ele tinha de tornar a cidade famosa."
|
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |