São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2004

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"A SAGA DO JUDEU BRASILEIRO"

Imigração vista sem rigor acadêmico

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

A presença judaica no Brasil é muito mais antiga do que se pensa e faz parte, inclusive, do imaginário popular: lendas sobre expedições judaicas à Amazônia em tempos bíblicos são freqüentes no Norte do país.
Assim, o rio Solimões teria esse nome em homenagem ao rei Salomão, que usou na construção do Templo de Jerusalém madeiras e ouro da região amazônica. Mais concretamente, sabe-se que judeus estavam a bordo das primeiras naus que chegaram -na condição de cristãos-novos, fugindo, muitas vezes da Inquisição.
Os judeus foram, sobretudo no Nordeste, senhores de engenho, médicos, comerciantes, poetas. Ao tempo dos descobrimentos marítimos, a população judaica de Portugal crescera muito, com o afluxo de judeus que fugiam da perseguição em terras de Espanha e que, de Portugal, vieram para o Brasil. Recife tinha, inclusive, uma rua dos Judeus e uma sinagoga que funcionou ativamente à época do domínio holandês.
Nos séculos 19 e 20, viriam os judeus da Europa Oriental (Rússia, Polônia) e da Alemanha, dentro daquele grande fluxo migratório para a América do Sul, então um continente escassamente povoado; como dizia então o intelectual argentino Juan Alberdi, "governar é povoar", e os governos seguiram à risca essa diretriz, abrindo as portas aos recém-chegados.
Os europeus dirigiam-se principalmente para o Cone Sul do continente: para a Argentina, para o Chile e, no caso do Brasil, para o Rio Grande do Sul. Nesse Estado, a imigração judaica completa, neste ano, um século.

História
Esta é a história que nos conta Hersch W. Basbaum em "A Saga do Judeu Brasileiro: A Presença Judaica em Terras de Santa Cruz" (São Paulo, Edições Inteligentes). Como diz o autor, a obra não tem qualquer pretensão acadêmica e não segue as normas clássicas do gênero. É antes um trabalho de divulgação, escrito em linguagem acessível, mas que cumpre o papel de informar o leitor sobre um assunto que, num país de mistura cultural como é o Brasil, tem grande interesse.
Basbaum cita vários e importantes autores e acrescenta a seu trabalho tabelas que dão uma idéia da extensão do movimento migratório. No capítulo final, e como contribuição pessoal, acrescenta alguma entrevistas feitas com judeus brasileiros, nas quais as pessoas falam de como se posicionam e se sentem diante de sua condição judaica.
Um dos entrevistados fala da "risadinha interior de satisfação", cada vez que toma conhecimento de que um judeu "conquistou isso ou aquilo, ganhou este ou aquele prêmio, encabeça lista de aprovados no vestibular", para acrescentar em seguida que "me desagrada o establishment judaico, me desagradam muitos dos super-ricos". Uma doutoranda de história, filha de casamento misto (eventualidade cada vez mais freqüente nas comunidades judaicas de todo o mundo), diz: "O judaísmo para mim não está ligado aos preceitos religiosos. Antes, o que me faz sentir judia é a cultura ou o sentimento de pertencer ao povo judeu".
Mas também há respostas iradas: "Para que essas perguntas? Aonde você quer chegar? Pra teu governo, sinto-me cercado pela judeuzada o tempo todo, olhando-me como se fosse ovelha desgarrada. O judeu não suporta que alguém deixe de ser judeu. E não vem com essa de orgulho. Orgulho porra nenhuma". E, em contrapartida, a resposta de um cineasta: "Acho que ser judeu ou membro de qualquer outro credo, nacionalidade, povo, não é questão de orgulho. As pessoas devem ser o que são por amor, por aceitação. Eu sou judeu, sou brasileiro, sou polonês e amo a humanidade".


A Saga do Judeu Brasileiro: A Presença Judaica em Terras de Santa Cruz
   
Autor: Hersch W. Basbaum
Editora: Edições Inteligentes
Quanto: R$ 30 (191 págs.)



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