São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Caras-pintadas e divididas

Jefferson Bernardes - 11.ago.2005/Folha Imagem
Protesto em Porto Alegre na quinta-feira; manifestantes divididos no apoio a Lula


As tintas estão de volta aos rostos, mas os caras-pintadas agora se dividem entre os que apóiam e os que são contra o presidente Lula. Na última semana, as ruas começaram a ver de novo as cores verde e amarela, mas os slogans se contradizem. Treze anos depois de os estudantes saírem às ruas para pedir o impeachment de Fernando Collor, o movimento mudou. Existem os que arregaçam as mangas para defender o presidente e os que protestam contra ele. As diferenças ganharão as ruas nos próximos dias; há manifestações articuladas por movimentos sociais para 16 de agosto, 6 de setembro e até um panelaço marcado para o dia seguinte, feriado nacional. Quem viver, verá.

"Queremos que o presidente fique"
A convocação para a passeata está no site do PC do B: "Dia 16, apoiar Lula, desmascarar conservadorismo, resgatar mudança". O estudante Tiago Alves, diretor de cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE), hoje um braço do partido, estará lá, de cara pintada. "Queremos que o Lula fique", diz ele.

Tiago esteve com o presidente no final de julho e ouviu sua defesa. "Ele nos disse: "Não estou envolvido nisso'". Tiago acredita e acha que a crise se agrava por exageros da oposição. "O Roberto Jefferson é um gângster. O PSDB quer voltar."

Às vésperas da passeata, a UNE faz as contas. Cada ônibus para Brasília custará R$ 10 mil, bancados pela entidade. "Nem cogitamos cobrar. O grau de consciência não é tão elevado".

O estudante, que trancou o curso de filosofia em MG para militar em SP, acha que a política o ajuda a fazer sucesso com as mulheres. "Mas não uso "Tática Dois"." Tática Dois? "É quando o cara fica com a menina da oposição e vê se ela entra em crise ideológica e muda de lado".

"Chegamos a cogitar o "Fora Lula'"
Felippe Monteiro ocupa um cargo que foi de José Dirceu na ditadura: a presidência do Centro Acadêmico 22 de Agosto, dos alunos de direito da PUC de SP. Ele não vê sinceridade no discurso do antecessor. "Não acredito em quase ninguém, Dirceu, Roberto Jefferson. E está difícil acreditar no Lula." Há algumas semanas, o estudante lidera um grupo de discussões sobre a crise do governo. "Vamos definir nossa posição no final do mês. Chegamos a cogitar a possibilidade de um movimento "Fora Lula", mas ainda não sabemos o que fazer."

Felippe critica a posição da UNE e da Ubes -"Não dá para ter independência se atrelando a partidos"- e diz que é assediado por militantes partidários. "Do PFL ao PT, sempre tem alguém querendo se aproximar. A Força Sindical já nos ofereceu panfletos, carro de som...".

Fã de Geraldo Alckmin e Eduardo Suplicy, dedica "quase 100%" do seu tempo às atividade do C.A. "Nem assisto aula direito", confessa. Recebe mesada dos pais e namora uma garota que conheceu no 22 de Agosto.

"Lula não é um deus inatingível"
Presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, dos alunos de direito da USP, Fernando Borges está indignado. "Acho um absurdo entidades que protestam para que o presidente seja poupado", diz. "Não tem essa de "Lula até a morte". Ele não é um deus inatingível".

Decepcionado com o governo, Fernando, no entanto, não pensa em ir às ruas contra o presidente. "Não vou ser ingênuo de achar que um grito de guerra vai resolver tudo. Também tenho minhas dúvidas se esse tipo de manifestação tem o mesmo significado que tinha na época do Collor, em que a democracia estava recomeçando. Mas desde os primeiros escândalos, nós nunca tivemos dúvidas em reconhecer a culpa do presidente. Há crime de responsabilidade. No mínimo, por omissão", diz.

A atual diretoria do 11 de agosto se elegeu por uma chapa polêmica, a Escória, considerada por muitos "de zoeira". "Somos grandes fãs de bar, de tomar cerveja, mas temos responsabilidade." Filho de artista plástica e consultor do mercado financeiro, Fernando não quer ser advogado. "Só se eu precisar."

"É importante que ele continue no poder"
A pergunta que Marcelo Gavião, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), mais tem escutado é: "E aí? Vocês não vão fazer passeata para pedir o impeachment?". Marcelo coça a cabeça. "Não, não vamos pedir "fora Lula". Não se pode fazer um julgamento prévio, tem de provar."

Marcelo ainda se lembra dos protestos dos estudantes em 1992, quando tinha apenas oito anos e acompanhou tudo pela televisão. "Aquilo foi importante para o país, mas o momento é outro. O Collor queria privatizar as universidades públicas. Os caras-pintadas estão voltando, mas a luta agora é garantir as conquistas desse governo."

Filho de operário e dona de casa, Gavião começou a militar no grêmio da escola, em Salvador. "Revelação" de um protesto contra o aumento do ônibus, em 2003, foi convidado a presidir uma chapa em eleição da Ubes. Hoje, é filiado ao PC do B, partido da base governista. Diz sobreviver com o auxílio de R$ 800 mensais que recebe da entidade. Perdeu seu primeiro Carnaval neste ano, para ir a Cuba. "Sempre foi um sonho", diz.
@ - bergamo@folhasp.com.br
SÉRGIO DÁVILA (interino) COM JOÃO LUIZ VIEIRA E DANIEL BERGAMASCO


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