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DVDS
"LAVOURA ARCAICA"
Longa de Luiz Fernando Carvalho sai com rico making of
Mergulho em Raduan Nassar conduz a pequena obra-prima
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma parábola de ressonâncias bíblicas escrita por um
homem de nosso tempo, vale dizer, por alguém que, entre outras
coisas, leu Freud e tem consciência de que o modo de contar uma
história é tão importante quanto a
história em si. Assim pode ser definido, de modo sumário e um
tanto selvagem, o pequeno grande romance "Lavoura Arcaica",
de Raduan Nassar.
Conta-se ali, numa prosa ao
mesmo tempo delicada e furiosa,
intrincada e encantatória, a tragédia do filho desgarrado de uma família de imigrantes libaneses no
interior brasileiro. A dicção elevada do texto, a maestria na criação
de um universo literário quase
atemporal, a abordagem de temas
espinhosos como o incesto e o
ódio filial, tudo isso fazia do livro
um desafio aparentemente intransponível para uma adaptação
ao cinema.
Foi justamente com esse livro
infilmável que Luiz Fernando
Carvalho, já respeitado por seu
trabalho de diretor na televisão,
resolveu estrear no longa-metragem de cinema.
"Lavoura Arcaica" (2001), o filme, foi o resultado de uma imersão radical de seu realizador, do
elenco e da equipe de produção
no universo do livro. É uma daquelas obras cujo processo de realização é tão rico e interessante
quanto seu resultado.
Para ter uma idéia, o elenco e
parte da equipe passaram quatro
meses vivendo na fazenda do interior de Minas Gerais onde o filme seria rodado. Ordenharam vacas, repararam cercas, costuraram roupas, ao mesmo tempo
que estudavam o texto, aprendiam danças, ouviam músicas relacionadas ao tema etc.
Além do filme propriamente dito -uma obra cujo valor só tem
aumentado diante da pobreza estética do cinema atual-, o DVD
agora lançado traz um precioso
documentário sobre esse processo coletivo de criação.
Dirigido por Raquel Couto, que
trabalhou como pesquisadora de
elenco do longa, é um substancioso making of, com depoimentos
dos principais atores e membros
da equipe, sobrepostos a imagens
de filmagens, preparação e bastidores.
Da diretora de arte (Yurika Yamasaki) ao compositor da trilha
(Marco Antônio Guimarães), da
figurinista (Beth Filipecki) ao diretor de fotografia (Walter Carvalho), todos falam das minúcias do
trabalho de buscar uma tradução
audiovisual para o livro, ou antes,
para a leitura que Luiz Fernando
Carvalho fazia do livro. Todos,
aparentemente, contaminados
pela febre criadora do diretor.
"Lavoura Arcaica", o deslumbrante fruto dessa entrega, contém ao menos quatro seqüências
antológicas: a de abertura, em que
o extraviado André (Selton Mello) se masturba num quarto de
pensão; as duas danças festivas, a
primeira de pura alegria e sensualidade telúrica, a segunda tingida
por um erotismo diabólico; e o
diálogo final entre André e o pai
(Raul Cortez).
Completa o DVD uma dispensável conversa entre o cineasta
Fernando Solanas e o curador
André Paquet, do Festival de
Montréal. Falando diretamente a
Carvalho, eles se desmancham
em elogios a seu filme, em algo
que beira a adulação.
Lavoura Arcaica
Direção: Luiz Fernando Carvalho
Distribuição: Europa Filmes; lançamento em setembro, só para locação
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