São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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DVDS

"LAVOURA ARCAICA"

Longa de Luiz Fernando Carvalho sai com rico making of

Mergulho em Raduan Nassar conduz a pequena obra-prima

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Uma parábola de ressonâncias bíblicas escrita por um homem de nosso tempo, vale dizer, por alguém que, entre outras coisas, leu Freud e tem consciência de que o modo de contar uma história é tão importante quanto a história em si. Assim pode ser definido, de modo sumário e um tanto selvagem, o pequeno grande romance "Lavoura Arcaica", de Raduan Nassar.
Conta-se ali, numa prosa ao mesmo tempo delicada e furiosa, intrincada e encantatória, a tragédia do filho desgarrado de uma família de imigrantes libaneses no interior brasileiro. A dicção elevada do texto, a maestria na criação de um universo literário quase atemporal, a abordagem de temas espinhosos como o incesto e o ódio filial, tudo isso fazia do livro um desafio aparentemente intransponível para uma adaptação ao cinema.
Foi justamente com esse livro infilmável que Luiz Fernando Carvalho, já respeitado por seu trabalho de diretor na televisão, resolveu estrear no longa-metragem de cinema.
"Lavoura Arcaica" (2001), o filme, foi o resultado de uma imersão radical de seu realizador, do elenco e da equipe de produção no universo do livro. É uma daquelas obras cujo processo de realização é tão rico e interessante quanto seu resultado.
Para ter uma idéia, o elenco e parte da equipe passaram quatro meses vivendo na fazenda do interior de Minas Gerais onde o filme seria rodado. Ordenharam vacas, repararam cercas, costuraram roupas, ao mesmo tempo que estudavam o texto, aprendiam danças, ouviam músicas relacionadas ao tema etc.
Além do filme propriamente dito -uma obra cujo valor só tem aumentado diante da pobreza estética do cinema atual-, o DVD agora lançado traz um precioso documentário sobre esse processo coletivo de criação.
Dirigido por Raquel Couto, que trabalhou como pesquisadora de elenco do longa, é um substancioso making of, com depoimentos dos principais atores e membros da equipe, sobrepostos a imagens de filmagens, preparação e bastidores.
Da diretora de arte (Yurika Yamasaki) ao compositor da trilha (Marco Antônio Guimarães), da figurinista (Beth Filipecki) ao diretor de fotografia (Walter Carvalho), todos falam das minúcias do trabalho de buscar uma tradução audiovisual para o livro, ou antes, para a leitura que Luiz Fernando Carvalho fazia do livro. Todos, aparentemente, contaminados pela febre criadora do diretor.
"Lavoura Arcaica", o deslumbrante fruto dessa entrega, contém ao menos quatro seqüências antológicas: a de abertura, em que o extraviado André (Selton Mello) se masturba num quarto de pensão; as duas danças festivas, a primeira de pura alegria e sensualidade telúrica, a segunda tingida por um erotismo diabólico; e o diálogo final entre André e o pai (Raul Cortez).
Completa o DVD uma dispensável conversa entre o cineasta Fernando Solanas e o curador André Paquet, do Festival de Montréal. Falando diretamente a Carvalho, eles se desmancham em elogios a seu filme, em algo que beira a adulação.


Lavoura Arcaica
     Direção: Luiz Fernando Carvalho
Distribuição: Europa Filmes; lançamento em setembro, só para locação


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