São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 2006

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GUILHERME WISNIK

Culturas e estruturas em raio-X


Editora lança livro que serve de guia para a compreensão do comportamento estrutural das edificações

"Porque os edifícios ficam de pé". Este é o sugestivo título do livro que a Martins Fontes acaba de lançar pela "Coleção A" (384 págs., R$ 49,80), dedicada à história e crítica das artes visuais. O autor é o italiano Mario Salvadori, professor emérito de engenharia civil na Universidade de Columbia, Nova York.
Escrito em 1980, o livro é um generoso guia para a compreensão do comportamento estrutural das edificações, noção que está na base das soluções formais.
Buscando as permanências históricas, ao invés de um evolucionismo técnico, o autor analisa casos clássicos como as pirâmides egípcias (séc. 27 ao 22 a.C.), as catedrais góticas (séc. 12 e 13), a Torre Eiffel (1889), a ponte do Brooklin (1883) e os arranha-céus modernos. Esse caminho converge para o estudo mais aprofundado dos domos, que considera "a maior conquista arquitetônica e estrutural da humanidade", já que sua natureza monolítica, em forma de anéis sucessivos, permite grande resistência à deformação. Para tanto, compara os exemplos do Panteão de Roma (séc. 2 d.C.), da Igreja de Santa Sofia, em Constantinopla (séc. 6), e da Catedral de Santa Maria del Fiori, em Florença (séc. 15).
O primeiro, um edifício circular definido pela inscrição de uma esfera perfeita, cobre um vão livre de 43 metros, audácia estrutural que se explica pelo uso precoce do concreto pozolânico. O segundo, montado sobre uma planta de formato alongado, na tradição das basílicas romanas, inaugura um novo modo de apoiar a cúpula: não mais ao longo de todo o seu perímetro circular, mas pontualmente sobre arcos que ligam os quatro pilares centrais da nave, sujeitos a dramáticos empuxos laterais. Reflexão que está na origem tanto dos arcobotantes góticos, quanto dos semidomos auxiliares das mesquitas otomanas. No terceiro caso, Salvadori explica como a cúpula octogonal de Brunelleschi, feita com uma alvenaria dupla, dispensou a necessidade de escoras de madeira. Revolução técnica e formal que, no entanto, veio a cobrir um vão apenas dois metros maior que o do "velho" Panteão.
A capa do livro, mostrando o pilar "iluminante" da rodoviária de Jaú, projetada por Artigas, é inteligente. No entanto, cabe aqui um comentário mais amplo sobre as capas da "Coleção A". Estas, que sempre alternaram desenhos e fotografias sem qualquer unidade temática ou cromática, foram recentemente substituídas por belas fotos de Nelson Kon, focalizando em branco e preto obras-chave da arquitetura brasileira. Mudança que garantiu inegável qualidade visual, além de uniformidade gráfica, à série. Mas que, por outro lado, acabou induzindo a alguns erros cruciais de leitura. O caso mais grave ocorre com "Espaço, Tempo e Arquitetura" (1941), de Sigfried Giedion, e "Complexidade e Contradição em Arquitetura" (1966), de Robert Venturi, cujas capas apresentam, ambas, fotos internas da Oca, de Niemeyer. Aproximação visual que esconde o absoluto antagonismo entre os dois livros, tidos, respectivamente, como os ícones da teoria crítica moderna e pós-moderna.


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