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OPINIÃO
Música barroca de banda exibe tom atemporal
LUIZ FERNANDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
IMAGINEM A cena: é domingo no Jardim de Luxemburgo, em Paris. Jovens e velhos, gente dos mais
distantes "arrondissements"
chegam ao parque para deitar e
rolar na grama clara, passear
entre as árvores, mas também
fazer piqueniques.
Entre estes, Zach Condon,
vocalista do Beirut. Ele chega
acompanhado de seu inseparável trompete e, entre as frutas e
depois do vinho, libera um som
melancólico que se infiltra na
atmosfera.
Num sopro, o mundo parece
melhor, as pessoas sorriem
mais, as crianças correm levantando suas pequeninas mãos,
os velhos se refazem de seus
cansaços infinitos e nos lançam
olhares de esperança. Uma
imagem impressionista que,
talvez, não possa ser repetida
nos dias de hoje.
O piquenique já vai longe, era
o tempo quando a banda, mesmo no circuito alternativo de
Paris, ainda era obscura.
Hoje o Beirut é um dos grupos mais populares entre os seres de bom ouvido e, por alguns
desses milagres que acontecem
apenas de vez em quando na indústria cultural, segue sem
concessões à sua música multifacetada -e por que não dizer
alegórica? Barroca?
O personagem fundamental
do período barroco é o alegorista, que, no sentido etimológico,
significa falar de uma coisa
querendo dizer outra. No caso
do Beirut: um canto americano,
querendo cantar o Leste Europeu, o México, e até mesmo o
Brasil através de "Leãozinho",
de Caetano Veloso.
Se chegamos ao Brasil, chegamos a Machado de Assis, que,
em sua fase final, era um barroco por excelência.
Ao observarmos o delírio interpretativo de "Dom Casmurro", onde tudo serve de indício
e prova de que Capitu o traiu,
nos colocamos diante de um
alegorista barroco.
Tudo é alegoria.
Foi assim que o espírito antropofágico me tomou em "Capitu", me arrastando para dentro do Jardim de Luxemburgo,
onde o ar espesso de sopros e
bandolins aguçou lembranças
de um coreto da infância, revolvendo-me, como as eróticas volutas dos Templos Sagrados de
Minas Gerais.
No entanto, se tivesse que
apontar a canção que me encorajou nesta concepção de um
chão musical para "Capitu", um
chão de contrários, apontaria
"Minhas Lágrimas", de Caetano Veloso: "Nada serve de
chão/ onde caiam minhas lágrimas".
O mais puro barroco, eu pensava. O mais moderno dos barrocos, eu sorria, eu chorava, eu
gargalhava, e, agarrado à canção, avistava Bento Santiago,
em pleno século 19, sua face
através da escotilha de um
Boeing 747, rumo à Europa,
mas atravessando nuvens em
uma outra disposição geográfica e celestial, cruzando sua própria desolação, ou, seguindo a
canção: Desolação de Los Angeles. Mas quem seria Los Angeles? Capitu, por certo. Tudo
significava tudo. Tudo, uma
bruxaria só.
Dito e feito. Uma outra canção de Caetano entrou na abertura de uma novela. Eu, agora
também desolado, traído pela
música que me deixava uma
partitura em branco entre as
mãos, um silêncio, em companhia apenas de meus olhos de
ressaca.
Foi quando uma nova canção
surgiu. Novamente "minha"!
"Uma já estava dentro da outra,
como a fruta dentro da casca".
Levei-a para o ensaio com os
atores. "Minha" canção alimentou com enorme força nossa visão, como se abrisse uma
porta, que era a de apresentar-se como tema atemporal e sem
fronteiras para uma história do
século 19 e de sempre. A porta
se abriu e eu entrei: "Elephant
Gun", do Beirut.
LUIZ FERNANDO CARVALHO , 49, é cineasta e
diretor de TV. Dirigiu "Lavoura Arcaica", "Os
Maias" e "Capitu", entre outros títulos
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