|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Lágrimas não combinam comigo", diz Sergio Britto
Aos 22, ator tentou suicídio; hoje, diz saber "enfrentar bem as dificuldades"
Em autobiografia, ele
fala da importância de ter se assumido gay: "Os galãs da Globo sofrem até hoje", afirma
DO RIO
Embora tenha começado
em 1945 e participado em
1948 da histórica montagem
de "Hamlet" estrelada por
Sérgio Cardoso, Sergio Britto
diz que só começou a se considerar ator em 1953, com as
estripulias de "Uma Mulher e
Três Palhaços" -tão marcantes que ele guarda até hoje o nariz vermelho que usou.
Mas a inflexão na carreira
aconteceu quando ele deixou os papéis de galã, adequados ao seu então perfil
atlético, e passou a fazer espetáculos difíceis como "Fim
de Jogo" (1970), "Tango"
(1972), "Autos Sacramentales" (1974) e "Quatro Vezes
Beckett" (1985).
"Acho que já sei tudo, que
cheguei no máximo. Não tenho obrigação de fazer uma
coisa a mais. Para mim, fazer
algo a mais é fazer diferente",
afirma, referindo-se à dialética do momento: saiu de um
pesado solo de Beckett para
uma peça brasileira realista,
dirigida por Eduardo Tolentino, e entrará num Tchékhov
poético, no qual interpretará
um velho ator.
A ótima memória lhe permite contar detalhes da carreira, o que faz na autobiografia "O Teatro e Eu" (Tinta
Negra), lançada em maio. Fala dos grandes amigos, como
Fernanda Montenegro, e dos
colegas com quem se desentendeu, casos de Beatriz Segall, Laura Carneiro, Osmar
Prado e outros.
HOMOSSEXUALIDADE
O abuso de sinceridade é
um traço forte de Britto. E justifica o porquê de ele ter começado o livro falando de
homossexualidade.
"Para mim, se dizer bissexual é como esconder o homossexualismo que você não
quer admitir. Sempre me senti homem o bastante para assumir opções e atitudes na
minha vida", escreveu.
"Ninguém pode travar
uma tendência dentro de si.
Se tem alguma coisa que te
empurra para cá ou para lá,
você tem que ver como é, no
mínimo", afirma ele, reconhecendo que tal sinceridade poderia tê-lo prejudicado
no passado. "Os galãs da Globo sofrem até hoje."
A aliança que tem usado é
do Alberto de "Recordar É Viver". Ele diz ter decidido há
cinco anos ficar "descasado
definitivamente".
"Quero dormir sozinho. A
parte sexual existe, mas a
matrimonial, não."
A idade avançada é sinônimo de pais e muitos amigos
mortos. Nada que o tenha levado à depressão.
"Sou frio? Sou gelado?
Não, é que eu enfrento bem
as dificuldades. Lágrimas
não combinam comigo."
Ele diz hoje que, quando
cortou os pulsos, aos 22 anos,
estava representando o desejo de se libertar, livrar-se da
medicina que estudou para
agradar os pais.
"Quando eu acordei no
hospital, perguntei: "O que é
isso? Não quero morrer". No
mesmo dia, saí no bonde
dançando e cantando. Era
domingo de Carnaval."
Britto tomou a decisão de,
nos anos que lhe restam,
apenas trabalhar como ator,
não mais dirigir nem dar cursos de teatro. "Os jovens de
hoje podem dizer que querem fazer teatro, mas o que
eles querem fazer é televisão.
Se a televisão chama, eles
largam tudo. Não estou falando mal dos jovens atores,
mas de uma fase do Brasil em
que tudo é mais ralo, mais
frágil."
(LUIZ FERNANDO VIANNA)
Texto Anterior: O senhor dos palcos Próximo Texto: Frases Índice
|