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FESTIVAL DE GRAMADO
Cineasta vai contar a história do poeta em filme que começa a ser rodado em abril de 99, com a atriz Maria de Medeiros
Nelson Pereira busca juventude de Castro Alves
INÁCIO ARAUJO
JOSÉ GERALDO COUTO
enviados especiais a Gramado
Nelson Pereira dos Santos, que
recebeu na última terça-feira em
Gramado o troféu Oscarito por
sua extraordinária carreira, não
está disposto a se deixar imobilizar
por rótulos como "monumento
vivo" ou "patriarca do cinema
brasileiro".
Aos 70 anos (que completará em
outubro), o diretor de "Vidas Secas" está mais vivo do que nunca.
Em entrevista à Folha, ele falou
com entusiasmo e bom humor de
seus dois novos projetos: o longa-metragem "Guerra e Liberdade - Castro Alves em São Paulo",
em co-produção com Portugal, e a
adaptação para a TV do clássico
sociológico "Casa Grande e Senzala", de Gilberto Freyre.
O filme sobre Castro Alves, que
será ambientado na São Paulo de
1868, representa o reencontro do
cineasta com sua cidade natal
(nasceu no Brás) e com a escola
onde estudou e iniciou sua militância comunista, a Faculdade de
Direito do largo São Francisco.
Folha - Em que pé está a preparação de "Guerra e Liberdade - Castro Alves em São Paulo"?
Nelson Pereira dos Santos - Estou captando recursos para completar o orçamento, que é de R$ 7
milhões. A idéia inicial era começar a filmar agora em outubro,
mas a (atriz portuguesa) Maria de
Medeiros, que vai fazer o papel de
Eugênia Câmara, amante de Castro Alves, vai começar a fazer outro filme, então só poderei contar
com ela no ano que vem. Minha
idéia é filmar a partir de abril, depois que eu terminar a série "Casa
Grande e Senzala".
Folha - E quem será Castro Alves?
Pereira dos Santos - Os contemporâneos dele, como Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, o descreviam como um semideus. Outros
dizem que era alto, bonito, com
uma voz potente. Será um ator jovem, que será escolhido por concurso.
Folha - Você vai trabalhar a São
Paulo de 1868. Como será possível
a reconstituição de época?
Pereira dos Santos - Ainda não
está completamente definido, mas
existe um espaço atrás da Vera
Cruz onde é possível construir o
cenário.
São Paulo naquela época era
uma cidade bem simples. Mesmo o
largo São Francisco tinha o chão
de terra batida. De um lado havia o
convento, a escola de direito, as
igrejas, e do lado de cá eram casas
modestas, térreas.
Folha - Qual a sua visão de Castro
Alves?
Pereira dos Santos - Era um
menino, com um grande dom da
poesia, um criador de imagens. As
imagens dele são poderosas. Vou
privilegiar a relação dele com Eugênia Câmara, que era uma mulher feita, intelectual, de 28 anos
-ele tinha 19 na época. Ela foi
muito maltratada pelos biógrafos
do poeta, vista meio como prostituta que traiu o jovem etc. Mas não
era isso, não. Ela se entregou de fato à relação.
Folha - O romance entre os dois
será o centro do filme?
Pereira dos Santos - Vou tratar
também da relação de Castro Alves
com o quadro político da época,
especialmente o movimento abolicionista e republicano.
Um outro personagem importante é Dionísio Cerqueira. Dionísio foi voluntário para a Guerra do
Paraguai e ficou na história por um
livro que escreveu, "Reminiscências da Guerra do Paraguai". Então existem os dois personagens, o
poeta e o militar, que representam
duas faces do nascimento da República. Porque no fim a República foi criada pelos militares.
Folha - E nisso o Castro Alves representa a infância do país.
Pereira dos Santos - Exatamente. A infância da República.
Folha - A reconstituição de São
Paulo será realista ou alegórica?
Nelson Pereira - Será mais alegórica. Quem me deu a idéia do cenário foi Álvares de Azevedo. Sabe
que nós, paulistas, somos muito
alemães no modo como concebemos nossa cidade.
O negócio da neblina, não é? É
uma coisa da minha infância. O
próprio Castro Alves tem um poema em que diz que São Paulo é um
pedaço da Alemanha pregado aqui
na América.
Folha - Como será a adaptação
de "Casa Grande e Senzala"?
Pereira dos Santos - É uma série de 13 episódios, para o canal
GNT. O primeiro capítulo vai ao ar
em setembro de 1999. Será realizada por quatro diretores, cada um
com uma unidade de produção,
com filmagens em Pernambuco,
no Sul, em Portugal, na África. Eu
faço a coordenação geral.
Folha - Vai ser só documental?
Pereira dos Santos - Haverá
uma mistura de gêneros, com reconstituição de cenas da vida cotidiana, na casa grande, na senzala,
nas igrejas. Basicamente, é a vida
na casa grande.
O conjunto será unido por um
narrador, que é um leitor entusiasmado do livro e que vai contando o
que leu ao espectador. Isso para
evitar aquela narração impessoal
que eu já vi tanto nos documentários de televisão.
Folha - Este ano, você está ganhando o troféu Oscarito. Você
acha que pesa demais ser considerado um "monumento"?
Pereira dos Santos - É gratificante ter essa homenagem, ainda
mais estando trabalhando. Não é
como o Oscar honorário, que eles
dão pro cara que está lá, desempregado, fodido...
Folha - E como você se situa na
história do cinema brasileiro?
Pereira dos Santos - Eu evito
qualquer definição nesse sentido,
porque quero preservar a minha
liberdade. Se você tem uma imagem, tem que fazer tudo em função dessa imagem.
Tem uma entrevista minha,
muito cafajeste, nos anos 70, em
que me perguntavam se eu era o
pai do cinema novo. Eu respondi
contando a história do filho que
reclamava para o pai: "Por que
você me pôs no mundo?"
Um dia, o pai desabafou. "Olha
meu filho, o seguinte: eu só queria
ter um momento de prazer com a
sua mãe".
Eu também. Eu só queria fazer
filmes. Se quiserem me chamar de
pai, tudo bem. Mas não me responsabilizem.
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