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CINEMA - GRAMADO
Diretor retrata Brasil oculto em "Santo Forte"
Divulgação
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Cena do documentário "Santo Forte", de Eduardo Coutinho |
JOSÉ GERALDO COUTO
enviado especial a Gramado
O longa-metragem "Santo Forte", de Eduardo Coutinho, pode
até não ganhar nenhum Kikito no
27º Festival de Gramado, mas é
um filme destinado a ser um marco do cinema documental brasileiro, ao lado de "Cabra Marcado
para Morrer", do mesmo diretor.
"Santo Forte" aborda a vivência
religiosa de moradores de uma favela carioca, a Vila Parque da Cidade. Mas Coutinho não esconde
sua intenção: "Não estou falando
só de religião nem de favela. Estou
falando do Brasil".
O filme custou R$ 300 mil e quase dois anos de trabalho. Foi produzido pelo Centro de Criação de
Imagem Popular, organização
não-governamental de que Coutinho participa. Nesta entrevista, o
cineasta explica sua concepção do
cinema documental.
Folha - A religião é o tema de
outro documentário recente,
"Fé", de Ricardo Dias. Por que
esse tema está tão presente?
Eduardo Coutinho - Não sei
qual foi o impulso que levou o Ricardo a fazer seu filme. Quando
ele me disse o que estava fazendo
(um amplo painel da religiosidade brasileira), comentei que eu ia
fazer o contrário, ou seja, ia me
concentrar na experiência cotidiana de poucos personagens.
Só falo do cotidiano das pessoas, e a religião era a porta de entrada para esse cotidiano. Ao falar
de sua vivência religiosa, as pessoas acabam falando de outras
coisas: a violência doméstica, o
marido, o trabalho etc.
Espero estar falando do Brasil
no filme. Não porque a favela seja
o país em ponto pequeno, mas
porque há padrões mais ou menos recorrentes na atitude da população brasileira.
Folha - O que você buscava,
usando a religião como gancho?
Coutinho - O que me interessa
são as identidades flutuantes, de
raça, de gênero etc. Não me interessava o culto como espetáculo,
seja o culto do candomblé, o pentecostal ou o católico.
Busquei o que as pessoas pensam sobre sua própria experiência religiosa. Por isso, escolhi 11
personagens fundamentais que
falam como vivem a coisa.
As reportagens que mostram a
religião como espetáculo são como as reportagens de Carnaval.
Sua primazia do visual leva a uma
densidade zero de informação e
de poesia. A oralidade, por vezes
tão desprezada, é densa e poética.
Folha - Os entrevistados se expõem com grande naturalidade.
Como conseguiu isso?
Coutinho - Em primeiro lugar,
não filmo entrevistas. Filmo conversas. Meus documentários são
sempre o resultado do encontro
entre duas pessoas -geralmente
de origem social diferente-, mediado pela câmera.
Não é a câmera que altera a espontaneidade da situação retratada, e sim essa entrada de um indivíduo de outro meio (no caso, eu)
naquele universo.
Filmei em vídeo não por economia, mas por opção. Com um
chassi de 30 minutos, eu podia ligar a câmera antes de começar a
conversa. O fluxo era contínuo.
Esse procedimento dá espaço
para que a pessoa construa seu
próprio retrato. Na verdade, ela
diz como gostaria de ser, ou de ser
vista, mas é assim que revela muito do que ela de fato é. O que me
interessa é essa auto-representação. É o caminho do imaginário.
Folha - Como vê o documentário hoje?
Coutinho - Acho que ainda se
fazem muito poucos documentários no Brasil, embora sejamos
praticamente o único país latino-americano que ainda os faz.
Mas vejo duas tendências no
documentário que não me
atraem: uma é a da primazia da
imagem, do espetáculo; a outra é
uma espécie de fuga ficcional, a
dos "docudramas", que acho em
geral detestáveis.
Folha - Em oposição a isso, como é o seu estilo documental?
Coutinho - Em todos os meus
filmes há sempre a presença da
oralidade. O que mudou nos dois
últimos -"Boca de Lixo" e "Santo Forte"- com relação aos anteriores é que agora não há mais
narrador.
Além disso, todo o som do filme
é o som ambiente captado durante a filmagem. Acho obsceno utilizar qualquer música que conote
sentimento nos meus filmes.
Acho importante deixar claro
que havia uma câmera ali, e que
tudo o que está no filme foi produzido pela situação de filmagem,
ou seja, pelo contato meu e da
equipe com a pessoa que fala.
O jornalista José Geraldo Couto viaja a convite da organização do Festival de Gramado
do Cinema Latino e Brasileiro
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