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Em "Amém", Costa-Gavras
mistura ficção e história para culpar, conscientizar e entreter
Arquiteturas da destruição
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Um leitor do site imdb.com
protesta com veemência
contra "Amém". Segundo ele, um
historiador francês demonstrou,
a partir de arquivos do Vaticano,
que estão enganados os que julgam Pio 12 responsável, ao menos
parcialmente, pelo Holocausto.
Haverá quem pense o contrário:
que o Vaticano e os protestantes
alemães se calaram quando poderiam ter feito algo para evitar.
O leitor conclui sua revoltada
peroração contra o filme dizendo
que mais vale a pena ver logo um
filme de ficção. E aí começam os
problemas do filme de Costa-Gavras. O que ele mostra são fatos ou
uma ficção destinada a culpar certas pessoas e instituições?
Inocentes mesmo só o oficial
nazista Kurt Gerstein e o padre
Riccardo -eles tentam convencer alguém de que, sim, está em
marcha a matança programada e
em escala industrial dos judeus.
Gerstein foi um involuntário
protagonista do Holocausto: especialista em desinfecção de água,
criou com esse fim o tristemente
célebre gás Zyclon B, que alimentaria as câmaras de gás. Ao testemunhar o que se passa nos campos de concentração, em 1942,
Gerstein se horroriza e tenta, desde então, denunciar o ocorrido.
Gerstein é um personagem real,
como aliás Pio 12 e o Holocausto.
Deve haver mais alguns personagens reais na história. O caso é: o
fato de esses seres reais povoarem
"Amém" não confere ao filme
maior verdade. E isso acontece
porque Costa-Gavras, como desde sempre em sua carreira, empenha-se mais em manipular imagens do que em buscar a verdade.
Essa manipulação implica, no
caso, opor uma história política
(portanto coletiva, levada por
conveniências) a uma história
pessoal (que diz respeito à consciência individual). Costa-Gavras
transita de um nível a outro, como o trem que serve de leitmotiv
ao filme: quando transita de portas fechadas, no sentido esquerda,
sabemos que está cheio de condenados; quando transita com portas abertas, em direção à direita,
sabemos que está voltando de sua
missão.
Da mesma forma, até a última
imagem não sabemos em que nível Costa-Gavras pretende tratar
as coisas: história ou ficção; coletividade ou indivíduo; consciência
ou culpa. Na verdade, vale tudo,
pois quem se oporia a um filme de
tão boas intenções (a não ser os
adeptos de Pio 12)?
Dito isso, como espetáculo o filme é agradável, evita caricaturas,
tem um ótimo ator no papel principal (Ulrich Tukur). E a indústria
de exploração do Holocausto vai
bem, obrigado.
Amém
Amen
Produção: França/Alemanha/
Romênia/EUA, 2002
Direção: Constantin Costa-Gavras
Com: Ulrich Tukur, Mathieu Kassovitz
Onde: auditório do MIS (av. Europa, 158,
São Paulo, tel: 0/xx/11/3062-9197)
Quando: hoje, às 17h
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