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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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Em "Amém", Costa-Gavras mistura ficção e história para culpar, conscientizar e entreter

Arquiteturas da destruição

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Um leitor do site imdb.com protesta com veemência contra "Amém". Segundo ele, um historiador francês demonstrou, a partir de arquivos do Vaticano, que estão enganados os que julgam Pio 12 responsável, ao menos parcialmente, pelo Holocausto.
Haverá quem pense o contrário: que o Vaticano e os protestantes alemães se calaram quando poderiam ter feito algo para evitar.
O leitor conclui sua revoltada peroração contra o filme dizendo que mais vale a pena ver logo um filme de ficção. E aí começam os problemas do filme de Costa-Gavras. O que ele mostra são fatos ou uma ficção destinada a culpar certas pessoas e instituições?
Inocentes mesmo só o oficial nazista Kurt Gerstein e o padre Riccardo -eles tentam convencer alguém de que, sim, está em marcha a matança programada e em escala industrial dos judeus.
Gerstein foi um involuntário protagonista do Holocausto: especialista em desinfecção de água, criou com esse fim o tristemente célebre gás Zyclon B, que alimentaria as câmaras de gás. Ao testemunhar o que se passa nos campos de concentração, em 1942, Gerstein se horroriza e tenta, desde então, denunciar o ocorrido.
Gerstein é um personagem real, como aliás Pio 12 e o Holocausto. Deve haver mais alguns personagens reais na história. O caso é: o fato de esses seres reais povoarem "Amém" não confere ao filme maior verdade. E isso acontece porque Costa-Gavras, como desde sempre em sua carreira, empenha-se mais em manipular imagens do que em buscar a verdade.
Essa manipulação implica, no caso, opor uma história política (portanto coletiva, levada por conveniências) a uma história pessoal (que diz respeito à consciência individual). Costa-Gavras transita de um nível a outro, como o trem que serve de leitmotiv ao filme: quando transita de portas fechadas, no sentido esquerda, sabemos que está cheio de condenados; quando transita com portas abertas, em direção à direita, sabemos que está voltando de sua missão.
Da mesma forma, até a última imagem não sabemos em que nível Costa-Gavras pretende tratar as coisas: história ou ficção; coletividade ou indivíduo; consciência ou culpa. Na verdade, vale tudo, pois quem se oporia a um filme de tão boas intenções (a não ser os adeptos de Pio 12)?
Dito isso, como espetáculo o filme é agradável, evita caricaturas, tem um ótimo ator no papel principal (Ulrich Tukur). E a indústria de exploração do Holocausto vai bem, obrigado.


Amém
Amen
   
Produção: França/Alemanha/ Romênia/EUA, 2002
Direção: Constantin Costa-Gavras
Com: Ulrich Tukur, Mathieu Kassovitz
Onde: auditório do MIS (av. Europa, 158, São Paulo, tel: 0/xx/11/3062-9197)

Quando: hoje, às 17h



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