São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 2005

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ANÁLISE

Lançamento de DVD com trabalhos de Marina Abramovic, entre outros nomes, se destaca dentro do festival em SP

Videobrasil consegue ir além das performances políticas

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em tempos em que a ação política freqüentemente se confunde com o terror e deixa as telas de cinema para ganhar a vida em eventos demonstração -o 11 de Setembro ainda é o exemplo maior-, a ênfase do Videobrasil na performance e em interlocuções no hemisfério Sul faz sentido. Mas, em meio à tônica política dominante de trabalhos coletivos e multimídia, esforços autorais de realização poética em vídeo chamam a atenção.
A marca do festival é a fronteira tecnológica da linguagem audiovisual. Essa segunda semana, aberta ontem à noite com a performance do feitoamãos, reúne vídeos especialmente dedicados à experimentação.
Além dos 45 curtas que serão exibidos ou estarão expostos entre hoje e domingo, o evento no Sesc Pompéia incursiona no terreno das intervenções mais duradouras com o lançamento do primeiro número do "Caderno Videobrasil" -amanhã, às 14h- e de um DVD com uma antologia das performances apresentadas em edições anteriores do festival.
Em retrospectivas, ao vivo e nas duas publicações, o festival oferece uma ampla revisão da história recente (a capa do caderno é um grande pôster que aberto revela de um lado imagens de "Interdição", de 1979, e do outro, uma cronologia que estabelece 1896 e "Ubu Rei", de Alfred Jarry, como marco inicial do gênero) de manifestações artísticas que negam a tela, elegem o corpo, muitas vezes do próprio artista, como suporte de expressões-ação efêmeras por natureza.
A série de trabalhos da mestre no gênero, Marina Abramovic, com seu então parceiro, Ulay, tematizou nos anos 70 o esgarçamento das relações no nível mais básico das relações- o amoroso. Em "Balance Proof", o casal, frente a frente, sustenta, com seus corpos nus, a lâmina de um espelho de dupla face, que, entre eles, aprisiona cada um na apreciação do reflexo narcísico de sua própria imagem.
O conceito é dramático, mesmo que não apreciado como deveria, ao vivo, em 1977, na Suíça.
Na entrevista a Ana Bernstein, que encerra o primeiro volume do "Caderno Videobrasil", a artista elabora sobre as limitações e possibilidades da fruição a posteriori. O registro de alguns dos vídeos contemporâneos que compõem a mostra que começa hoje e segue pela semana é diferente.
"Montevideoaki" documenta com precisão a associação de som e movimento na dança do japonês Hiroaki Umeda. O trabalho salienta a fragmentação extrema no movimento de um corpo desterritorializado.
Já "man.road.river", curta do mineiro Marcellus L., vencedor do Urso de Ouro no Festival de Oberhausen deste ano, parece buscar o canvas. O trabalho, considerado minimalista, se aproxima da pintura, forma de expressão que o veio performático nega.
Uma estrada interrompida pelo leito de um rio que transbordou. A câmera parada registra a partir da margem de cá o movimento de travessia de um homem que vem do lado de lá. A luz é difusa. Do personagem, vemos a silhueta escura e pequena contra a luz. O movimento, sem cortes, em tempo real, é lento. O tom é descolorido. O som ambiente, discreto.
O movimento decidido do homem contrasta com a hesitação de outros figurantes, um transeunte que retorna, um menino que brinca com uma pipa, um ciclista que evita a água. O trabalho se aproxima de um quadro em movimento. Aqui o documentário se aproxima da poesia.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

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