São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

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Publicação do romance "Rose Bonbon", de Nicolas Jones-Gorlin, provoca reação e censura na França

A nova cruzada moral francesa

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A França vive nos últimos dias um inflamado debate sobre censura e moralidade pública. O assunto está nos jornais, na TV, no Congresso e até nos corredores ministeriais. O estopim da polêmica foi o romance "Rose Bonbon", de Nicolas Jones-Gorlin, monólogo de um pedófilo que conta em detalhes suas aventuras sexuais com garotinhas.
As discussões envolvem também o romance "Ele Entrará para a Lenda", de Louis Skorecki (ed. Léo Scherer), sobre um "serial killer" de mulheres. Uma proposta de lei pedindo a proibição de filmes pornôs na TV, apresentada na semana passada, colocou ainda mais lenha no debate.
"Rose Bonbon", publicado pela Gallimard, a mais célebre editora francesa, é acusado por associações de proteção a menores de representar crianças em "situação pornográfica".
Duas entidades entraram na Justiça contra os livros de Jones-Gorlin e de Skorecki. Outra pediu ao ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que acionasse uma lei de 1949 e proibisse a venda de "Rose Bonbon" a menores de 18 anos -o que é considerado um ato grave de censura no país.

Invólucro
Assustada com a reação, a Gallimard suspendeu a distribuição do livro. Depois, voltou a oferecê-lo num invólucro plástico e com uma sobrecapa, na qual se lê: "Rose Bonbon" é uma obra de ficção. Nenhuma aproximação pode ser feita entre o monólogo de um pedófilo imaginário e uma apologia da pedofilia".
A questão dividiu o próprio governo de centro-direita. O ministro da Família, Christian Jacob, classificou "Rose Bonbon" como uma "apologia da pedofilia". O da Cultura, Jean-Jacques Aillagon, defendeu a liberdade de expressão: "Sou contrário a todo tipo de censura de uma obra literária. Creio que a arte e a cultura estão aí para explorar os meandros da alma humana".
O "Le Monde" dedicou um editorial ao assunto, evocando Aillagon: "No clima repressivo que o governo encoraja há algumas semanas com sua política de segurança, é salutar que um ministro recorde a seus colegas alguns dos sólidos princípios que fundam um Estado de direito".
Nas páginas dos jornais, escritores, intelectuais e mesmo empresários saíram em defesa do livro. Até o presidente da Fnac, Jean-Paul Giraud, manifestou-se no jornal "Libération": "Na condição de livreiros, nosso dever é o de assegurar e defender a liberdade de expressão".
O editor Antoine Gallimard foi convidado a se reunir com Sarkozy para discutir o caso. Durante toda a última semana, a sociedade francesa esperou a decisão do ministro. Pressionado pela opinião pública, ele resolveu não proibir o livro para menores. Resta agora a decisão da Justiça, a ser tomada até o fim deste mês.
As pressões sobre "Rose Bonbon" e outras manifestações puritanas e/ou "politicamente corretas" na França coincidem com a preparação de um novo plano de segurança pública por Sarkozy. O projeto, considerado repressivo, prevê novas punições contra prostitutas e mais severidade na prisão de menores.
Para alguns, uma cruzada moralista está se espalhando pela França, país que até agora se vangloriava de sua liberalidade de idéias e costumes. "É o retorno da ordem moral", disse o deputado socialista François Lamy.
"Reina na França há algum tempo um clima deletério que não tínhamos mais conhecido desde os anos 60", desabafaram num artigo assinado em conjunto os editores Christian Bourgois (ed. Bourgois), Paul Otchakovsky-Laurens (POL) e Olivier Rubinstein (Denöel).
Em setembro último, o escritor Michel Houellebecq foi julgado sob a acusação de incitar ao ódio racial e atacar o islã no seu livro "Plataforma". A sentença sai no dia 22.

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