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Publicação do romance "Rose Bonbon", de Nicolas Jones-Gorlin, provoca reação e censura na França
A nova cruzada moral francesa
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
A França vive nos últimos dias
um inflamado debate sobre censura e moralidade pública. O assunto está nos jornais, na TV, no
Congresso e até nos corredores
ministeriais. O estopim da polêmica foi o romance "Rose Bonbon", de Nicolas Jones-Gorlin,
monólogo de um pedófilo que
conta em detalhes suas aventuras
sexuais com garotinhas.
As discussões envolvem também o romance "Ele Entrará para
a Lenda", de Louis Skorecki (ed.
Léo Scherer), sobre um "serial killer" de mulheres. Uma proposta
de lei pedindo a proibição de filmes pornôs na TV, apresentada
na semana passada, colocou ainda mais lenha no debate.
"Rose Bonbon", publicado pela
Gallimard, a mais célebre editora
francesa, é acusado por associações de proteção a menores de representar crianças em "situação
pornográfica".
Duas entidades entraram na
Justiça contra os livros de Jones-Gorlin e de Skorecki. Outra pediu
ao ministro do Interior, Nicolas
Sarkozy, que acionasse uma lei de
1949 e proibisse a venda de "Rose
Bonbon" a menores de 18 anos
-o que é considerado um ato
grave de censura no país.
Invólucro
Assustada com a reação, a Gallimard suspendeu a distribuição do
livro. Depois, voltou a oferecê-lo
num invólucro plástico e com
uma sobrecapa, na qual se lê:
"Rose Bonbon" é uma obra de ficção. Nenhuma aproximação pode
ser feita entre o monólogo de um
pedófilo imaginário e uma apologia da pedofilia".
A questão dividiu o próprio governo de centro-direita. O ministro da Família, Christian Jacob,
classificou "Rose Bonbon" como
uma "apologia da pedofilia". O da
Cultura, Jean-Jacques Aillagon,
defendeu a liberdade de expressão: "Sou contrário a todo tipo de
censura de uma obra literária.
Creio que a arte e a cultura estão aí
para explorar os meandros da alma humana".
O "Le Monde" dedicou um editorial ao assunto, evocando Aillagon: "No clima repressivo que o
governo encoraja há algumas semanas com sua política de segurança, é salutar que um ministro
recorde a seus colegas alguns dos
sólidos princípios que fundam
um Estado de direito".
Nas páginas dos jornais, escritores, intelectuais e mesmo empresários saíram em defesa do livro.
Até o presidente da Fnac, Jean-Paul Giraud, manifestou-se no
jornal "Libération": "Na condição
de livreiros, nosso dever é o de assegurar e defender a
liberdade de expressão".
O editor Antoine Gallimard foi convidado a se
reunir com Sarkozy para
discutir o caso. Durante toda
a última semana, a sociedade
francesa esperou a decisão do
ministro. Pressionado pela opinião pública, ele resolveu não
proibir o livro para menores. Resta agora a decisão da Justiça, a ser
tomada até o fim deste mês.
As pressões sobre "Rose Bonbon" e outras manifestações puritanas e/ou "politicamente corretas" na França coincidem com a
preparação de um novo plano de
segurança pública por Sarkozy. O
projeto, considerado repressivo,
prevê novas punições contra
prostitutas e mais severidade na
prisão de menores.
Para alguns, uma cruzada moralista está se espalhando pela
França, país que até agora se vangloriava de sua liberalidade de
idéias e costumes. "É o retorno da
ordem moral", disse o deputado
socialista François Lamy.
"Reina na França há algum tempo um clima deletério que não tínhamos mais conhecido desde os
anos 60", desabafaram num artigo assinado em conjunto os editores Christian Bourgois (ed. Bourgois), Paul Otchakovsky-Laurens
(POL) e Olivier Rubinstein (Denöel).
Em setembro último, o escritor Michel Houellebecq
foi julgado sob a acusação de incitar ao ódio
racial e atacar o islã
no seu livro "Plataforma". A sentença sai no dia 22.
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