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"EXERCÍCIOS DE LEVITAÇÃO"
Fragmentos líricos descrevem experiência existencial
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O s textos de Ledusha Spinardi contidos em "Exercícios de Levitação" oferecem de
imediato algumas dificuldades à
crítica. O que encontramos são
fragmentos líricos nos quais a autora descreve sua experiência
existencial diante da natureza, da
escrita, do amor, da metrópole.
São classificados como poesia, e é
capaz que sejam.
A maioria desses fragmentos
aparece disposta como na prosa,
o que não causa espécie desde
Rimbaud. A forma mais frequente é a parataxe, de orações e termos justapostos. Algumas composições são inteiramente urdidas desse modo, como "Belas e
Malditas", onde vemos uma enumeração de qualificadores para o
termo "palavra".
Com efeito, a parataxe é um recurso mais poético do que a subordinação lógica, comum à prosa. O uso do presente atemporal
reforça o compromisso poético.
Mas há trechos bastante narrativos também, como "Estreamos
na dança tortuosa aquela noite
em que parti o salto e jogamos pela janela a Polaroid".
A imiscuição do cotidiano e da
prosa na poesia também não é
novidade desde os modernistas,
Manuel Bandeira que nos diga.
Mas lá havia um rigor que, em
princípio, Ledusha recusa. A poesia é o terreno da síntese, da concisão, da matemática das formas,
mas não é o que vemos aqui.
Embora curtos, os textos de Ledusha parecem fluir sem lei nem
medida. Quase tudo surge cercado de uma adjetivação que soa
desnecessária: "vento rude", "intolerância provinciana". O mesmo ocorre quando a autora se
compraz em aliterações de efeito
duvidoso: "A brisa lambe o Leblon com lábia difusa" ou "falo da
fala que me fascina".
Em consequência, a poesia se
espicha, afrouxa-se, lânguida. De
súbito, porém, nos deparamos
com enunciados que nos cativam,
por sua delicadeza e inventividade: "No ar repleto de sinais tudo
se espreguiça" e "Outubro termina a bordo de um ventinho de
cambraias".
Estão em jogo duas forças antagônicas: a da expressão derramada que atordoa e a da expressão
delicada que encanta. É a própria
autora quem dá uma dica sobre
essa dicotomia: "Já revirei o mundo com olhos e língua acesos.
Agora sobra o delicado gesto".
Por baixo das palavras haveria
um pulsar que não se conforma
ao molde, que explode e escapa.
Essa energia, que Ledusha identifica com um frêmito oriundo da
experiência passada, passa agora
por seu crivo mais maduro, que
tenta sustar o derramamento.
Nos melhores momentos, a
confluência das duas forças produz imagens poderosas. Por
exemplo: "Uma vez vimos juntos/um escaravelho no crepúsculo/(Amor é o que há)/Nunca mais
fomos os mesmos/O que às vezes
é de uma beleza/quase insuportável". Plasticamente, o escaravelho
no crepúsculo lembra, digamos,
as "rosas migradoras" e o "pastor
que apascenta pianos" de Murilo
Mendes.
A comparação não é aleatória,
pois foram os surrealistas, em cuja fonte abeberou-se o poeta juiz-forano, que apregoaram o uso da
energia instintiva e do fluxo irrestrito do inconsciente na elaboração estética. Pena que nem sempre Ledusha logre trabalhar sua
inquietação interna em soluções
poéticas que nos assombram
igualmente a imaginação.
Exercícios de Levitação
Autora: Ledusha B. A. Spinardi
Editora: 7 Letras
Quanto: R$ 20 (104 págs.)
Lançamento: hoje, às 20h, no bar Balcão (rua Melo Alves, 150, São Paulo)
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