Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA/"O SENHOR DAS ARMAS"
Ator interpreta traficante ilegal em trama estrelada por fuzis; diretor fala à Folha
Nicolas Cage incorpora "diabo charmoso"
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
A guerra americana no Iraque
fez uma vítima inesperada: o filme do neozelandês Andrew Niccol sobre o tráfico internacional
de armas. Não era um bom momento para fazer um longa que
inclui críticas aos EUA, e Hollywood tampouco se interessou em
uma obra com um "mercador da
morte" como protagonista.
Mas o financiamento foi obtido
-e também as armas. O diretor e
roteirista não só entrou em contato com comerciantes de armas:
"Eu os usei até na feitura do filme", como disse em entrevista à
Folha por telefone. Além de Nicolas Cage, milhares de fuzis AK-47
estrelam "O Senhor das Armas".
Folha - Como você teve a idéia de
fazer este filme? Não é o tipo de filme que se vê a toda hora, com um
vendedor de armas como personagem principal...
Andrew Niccol - Ainda bem que
não se vê a toda hora! Eu estava
interessado nesses personagens,
eles têm códigos morais diferentes, diferentes padrões éticos. Eles
não vêem as conseqüências de
suas ações e de certo modo são
uma extrapolação radical de nós
mesmos. Eles conseguem se divorciar do fato de que estão vendendo armas, porque não são eles
que apertam os gatilhos.
Folha - E o personagem principal
não é um vilão estereotipado.
Niccol - Eu queria pegar a platéia
com isso. Ele pode dar armas a
crianças ou fazer um comentário
espirituoso sobre Osama bin Laden. É como um diabo charmoso.
Nenhum vilão pensa em si como
um vilão, então tem uma epifania
e se torna um homem mudado.
Ele não quer mudar.
Folha - Você entrou em contato
com comerciantes de armas?
Niccol - Sim, eu os usei até na feitura do filme. Todos aqueles tanques pertencem a um negociante
privado de armas tcheco. Ele disse
que eu os podia usar, mas queria
de volta, pois estava vendendo em
seguida para a Líbia.
Folha - Ele viu o filme? Gostou?
Niccol - Não sei se ele viu. Mas
acho que não vai gostar; o filme
não pinta com boas cores os comerciantes. E aconteceu uma coisa interessante enquanto eu escrevia: gostei dessas pessoas, eram
charmosas, engraçadas. E muito
eficientes. É um mundo meio insano. Nunca sabia se eles estavam
fazendo negócios legais ou ilegais.
Folha - Como foi feita a caracterização dos lugares na África? Você
visitou alguns desses lugares?
Niccol - Estive antes na África do
Norte. Quanto à África Ocidental,
estudei gravações de jornalismo,
porque a região era muito perigosa enquanto estava fazendo minha pesquisa. Por questões financeiras, tive de recriar a África Ocidental na África do Sul. Mas as
imagens são realistas. Por exemplo, o tapete de balas disparadas
pode parecer uma fantasia de
produtor de design, mas é na verdade baseada em uma foto de um
jornalista num combate em Mon-róvia. Pessoas sem experiência
podem achar exagero, mas não é.
É o caso do "brown-brown", uma
mistura de cocaína e pólvora, que
é o que fazem para deixar os garotos excitados para o combate.
Folha - Certa vez eu achei uma bala produzida na Alemanha nazista
em um esconderijo de armas da
guerrilha em Moçambique e fiquei
imaginando como ela teria ido parar ali 50 anos depois da guerra.
Niccol - É interessante que o AK-47 tem esse nome porque foi feito
em 1947 e ainda é a arma mais escolhida na África. São baratos, são
confiáveis. Fico espantado de ver
como uma arma tão antiga ainda
é tão usada, em meio à tecnologia
que existe hoje. Mas é como se
morre na África. Isso me choca.
Folha - Você veio ao Brasil para
trabalhar com Antônio Pinto na trilha. Não ficou preocupado em andar em uma cidade com uma reputação violenta como São Paulo?
Niccol - Não, existem vizinhanças ruins em toda parte. Já fui a
muitos lugares e tudo depende de
como você se comporta. Se parece
que não pertence ao lugar, alguém pode querer tirar vantagem
de você. Eu sempre ajo como se
fosse o dono do lugar [risos].
Folha - Por que foi tão difícil vender a idéia do filme em Hollywood?
Niccol - Um pouco por aquilo de
que já falamos: ter um comerciante de armas como herói, ou melhor, anti-herói. Além de o filme
não se esquivar de apontar o envolvimento americano no comércio de armas. E, quando o script
estava pronto, o timing era o pior
possível: estava acontecendo a
Guerra do Iraque e não se queria
ver nada que não fosse patriótico.
Texto Anterior: Hipersônicas Próximo Texto: Crítica: Filme recria a devastação pela guerra das armas Índice
|