São Paulo, sexta-feira, 14 de outubro de 2005

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CINEMA/"O SENHOR DAS ARMAS"

Ator interpreta traficante ilegal em trama estrelada por fuzis; diretor fala à Folha

Nicolas Cage incorpora "diabo charmoso"

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A guerra americana no Iraque fez uma vítima inesperada: o filme do neozelandês Andrew Niccol sobre o tráfico internacional de armas. Não era um bom momento para fazer um longa que inclui críticas aos EUA, e Hollywood tampouco se interessou em uma obra com um "mercador da morte" como protagonista.
Mas o financiamento foi obtido -e também as armas. O diretor e roteirista não só entrou em contato com comerciantes de armas: "Eu os usei até na feitura do filme", como disse em entrevista à Folha por telefone. Além de Nicolas Cage, milhares de fuzis AK-47 estrelam "O Senhor das Armas".

 

Folha - Como você teve a idéia de fazer este filme? Não é o tipo de filme que se vê a toda hora, com um vendedor de armas como personagem principal...
Andrew Niccol -
Ainda bem que não se vê a toda hora! Eu estava interessado nesses personagens, eles têm códigos morais diferentes, diferentes padrões éticos. Eles não vêem as conseqüências de suas ações e de certo modo são uma extrapolação radical de nós mesmos. Eles conseguem se divorciar do fato de que estão vendendo armas, porque não são eles que apertam os gatilhos.

Folha - E o personagem principal não é um vilão estereotipado.
Niccol -
Eu queria pegar a platéia com isso. Ele pode dar armas a crianças ou fazer um comentário espirituoso sobre Osama bin Laden. É como um diabo charmoso. Nenhum vilão pensa em si como um vilão, então tem uma epifania e se torna um homem mudado. Ele não quer mudar.

Folha - Você entrou em contato com comerciantes de armas?
Niccol -
Sim, eu os usei até na feitura do filme. Todos aqueles tanques pertencem a um negociante privado de armas tcheco. Ele disse que eu os podia usar, mas queria de volta, pois estava vendendo em seguida para a Líbia.

Folha - Ele viu o filme? Gostou?
Niccol -
Não sei se ele viu. Mas acho que não vai gostar; o filme não pinta com boas cores os comerciantes. E aconteceu uma coisa interessante enquanto eu escrevia: gostei dessas pessoas, eram charmosas, engraçadas. E muito eficientes. É um mundo meio insano. Nunca sabia se eles estavam fazendo negócios legais ou ilegais.

Folha - Como foi feita a caracterização dos lugares na África? Você visitou alguns desses lugares?
Niccol -
Estive antes na África do Norte. Quanto à África Ocidental, estudei gravações de jornalismo, porque a região era muito perigosa enquanto estava fazendo minha pesquisa. Por questões financeiras, tive de recriar a África Ocidental na África do Sul. Mas as imagens são realistas. Por exemplo, o tapete de balas disparadas pode parecer uma fantasia de produtor de design, mas é na verdade baseada em uma foto de um jornalista num combate em Mon-róvia. Pessoas sem experiência podem achar exagero, mas não é. É o caso do "brown-brown", uma mistura de cocaína e pólvora, que é o que fazem para deixar os garotos excitados para o combate.

Folha - Certa vez eu achei uma bala produzida na Alemanha nazista em um esconderijo de armas da guerrilha em Moçambique e fiquei imaginando como ela teria ido parar ali 50 anos depois da guerra.
Niccol -
É interessante que o AK-47 tem esse nome porque foi feito em 1947 e ainda é a arma mais escolhida na África. São baratos, são confiáveis. Fico espantado de ver como uma arma tão antiga ainda é tão usada, em meio à tecnologia que existe hoje. Mas é como se morre na África. Isso me choca.

Folha - Você veio ao Brasil para trabalhar com Antônio Pinto na trilha. Não ficou preocupado em andar em uma cidade com uma reputação violenta como São Paulo?
Niccol -
Não, existem vizinhanças ruins em toda parte. Já fui a muitos lugares e tudo depende de como você se comporta. Se parece que não pertence ao lugar, alguém pode querer tirar vantagem de você. Eu sempre ajo como se fosse o dono do lugar [risos].

Folha - Por que foi tão difícil vender a idéia do filme em Hollywood?
Niccol -
Um pouco por aquilo de que já falamos: ter um comerciante de armas como herói, ou melhor, anti-herói. Além de o filme não se esquivar de apontar o envolvimento americano no comércio de armas. E, quando o script estava pronto, o timing era o pior possível: estava acontecendo a Guerra do Iraque e não se queria ver nada que não fosse patriótico.


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