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análise
Autor quer mesclar Oriente e Ocidente
MAMEDE MUSTAFA JAROUCHE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Desafiando talvez o risco
do lugar-comum, o
próprio Orhan Pamuk
caracterizou sua obra como resultado de um trabalho de colagem, "pensamentos roubados"
(palavras dele) das experiências das literaturas européia e
americana, irrigadas pela mitologia islâmica do legado cultural turco. Para o autor, o importante é que sua literatura exerça um papel análogo ao que ele
reivindica para a Turquia contemporânea: o de ponte entre o
Ocidente e o Oriente, posição
que ele próprio mimetiza em
seu apartamento em Istambul,
Europa, mas inteiramente voltado para a vastidão asiática.
Assim também em suas
obras, das quais a mais lida e conhecida no Brasil, "Meu Nome
É Vermelho" (mas não a mais
divulgada em escala mundial,
palma que cabe a "O Livro Negro"), faz do conflito da modernização, relatado por uma vastidão de falas e personagens cuja voz se vai impondo na sucessividade dos eventos, saturando-os de discurso mas esvaziando-lhes toda possibilidade
de sentido unívoco.
Pamuk extrai, reelaborando-o, o melhor das tradições culturais em que se apóia, e sua escrita, certamente, é finíssima.
Pode-se, porém, apostar que a
motivação dos jurados do Nobel não foi só literária: cidadão
de um país cuja inclusão na Comunidade Européia não é em
absoluto consensual, o escritor
tem atacado, de um modo que
merece admiração e estímulo,
os terríveis tabus do massacre
aos armênios e aos curdos,
além da intolerância religiosa,
o que lhe tem custado perseguições e dissabores. Daí que seja,
para além de sua literatura, merecedor de todo apoio.
Estar no olho desse furacão,
de algum modo, o transformou
num ser mais ambíguo que os
dualismos de sua literatura: a
participação de Pamuk na Flip
de 2005 foi mesmo para os padrões de tolice bonachã e pressurosa que caracterizam esse
doce evento desastroso, entre
outras coisas, devido à incapacidade do autor de (des)situar-se: falando de um texto remotamente "oriental", conforme ele
supunha, o tédio de sua palestra foi, de início, atenuado com
um plural implausível, embora
divertido: "Nós, ocidentais..."
MAMEDE MUSTAFA JAROUCHE é professor
de língua e literatura árabe da USP e tradutor de
"O Livro das Mil e Uma Noites" (Ed. Globo).
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