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Crítica/contos
Trevisan se volta para a marginália
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O mundo do escritor curitibano Dalton Trevisan continua intacto. É
certo que, nesta nova coleção
de contos "Macho Não Ganha
Flor", as crises conjugais cedem um pouco o espaço para os
afazeres da marginália, mas se
trata apenas de um ajuste de
rota.
As paixões primitivas, o enfoque em personagens que nunca
pensam, mas agem, as justificativas pífias diante da quebra do
decoro, do rompimento das regras sociais, regem o universo
da baixa extração da cidade
grande, dos bandidos e dos malandros, dos pequenos traficantes e das meretrizes, dos sujeitos que "se viram" nas fímbrias
do capitalismo, da ralé.
Diante do percurso traçado
por suas narrativas anteriores,
porém, essas aqui parecem ter
adquirido corpo. Os microcontos de uma página, ou até menos, em que toda uma situação
ficcional é sintetizada numa espécie de haicai narrativo, deram lugar a histórias ligeiramente mais desenvolvidas,
com enredos alongados que
permitem maior liberdade de
uso de recursos literários.
Como no conto "O Gato de
Muleta", em que a história que
vinha sendo contada por um
aleijado catador de papéis que
tenta assaltar uma casa passa a
ser narrada, numa dada altura,
pelo sujeito que acaba por frustrar o roubo. Ao leitor também
se permite um vislumbre mais
amplo do passado dos personagens, como o do ladrão de "Isso
Aí, Malandro", que nos revela
que a mulher, após ter "afogado" a filha de seis meses no travesseiro, fugiu com um viciado
zarolho.
A sorte desses personagens
de fato é tão torta que imaginamos certo sadismo por parte do
autor-demiurgo, que, ao engendrá-la, chega a roçar o humor
negro. Preso pelo porte de
umas pedras de craque, por
exemplo, o catador de "Umas
Pedrinhas" assim comenta as
visitas frustradas da filha: "Todo dia vem me ver, mas não deixam entrar. A pobre é vesguinha da vista esquerda. De tanto
choro, com o paizão em cana,
periga de cegar o olhinho bom".
A inserção do aumentativo entre dois diminutivos afetivos
acentua o patético da conjectura absurda.
Há quem diga, sem desrazão,
que não é de hoje que Dalton
vem bisando fórmulas. A questão sem dúvida é saber se se trata de fórmula ou de estilo. Não
se podem acusar os artistas
modernos do crime de patentear estilos muito particulares,
pelos quais passam a ser reconhecidos. Mas será esse o caso?
De tanto repisar personagens e
lances de enredo, de tanto repetir uma linguagem muito específica, com uso de vocabulário bastante pessoal, Dalton
não estaria se referindo menos
aos seres que habitam as ruas
de Curitiba do que aos seres
que habitam a sua ficção? Nesse caso, a realidade de que falam seus textos não teria outro
referente senão o extraído da
realidade do próprio texto.
O desmanche do realismo é
ainda maior quando os personagens dão para apontar subtextos literários, como a menção a Quasímodo feita pela colegial de "Prova de Redação" ou
o desabafo expresso pelo catador de "Umas Pedrinhas". Diz
ele: "o nosso corró, você que entra, deixa lá fora toda esperança" numa clara alusão às palavras gravadas na porta do Inferno da "Divina Comédia", de
Dante: "Deixai toda esperança,
ó vós que entrais". Uma piscadela do autor-demiurgo, por cima dos ombros do personagem,
para o leitor inteligente.
MACHO NÃO GANHA FLOR
Autor: Dalton Trevisan
Editora: Record
Quanto: R$ 24,90 (128 págs.)
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