São Paulo, sábado, 14 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DRAUZIO VARELLA

As epidemias do futuro

A vigilância sanitária é responsabilidade internacional e requer investimentos coletivos

AS DOENÇAS infecciosas resistem aos avanços da medicina: respondem por uma em cada quatro mortes que ocorrem no mundo. Ao lado da tragédia humana, bactérias, vírus e fungos provocam perdas econômicas que a maioria dos países é incapaz de absorver.
O impacto econômico é resultante não apenas da redução da expectativa de vida e das horas de trabalho perdidas pelos que adoecem, mas do prejuízo que bactérias, vírus e fungos causam à lavoura e à pecuária, contribuindo para os agravos de saúde associados à desnutrição.
Segundo estimativa do Banco Mundial, a epidemia de SARS que levou a óbito menos de 1.000 pessoas em 2003 provocou queda de 2% no Produto Nacional Bruto dos países do leste asiático. Se uma pandemia de gripe aviária atingisse os cinco continentes, seria capaz de matar milhões de pessoas e dar um prejuízo de 900 bilhões de dólares num único ano.
Previsões tão nefastas motivaram governos e agências internacionais de saúde a criar programas para enfrentar a ameaça que essas enfermidades representarão para seres humanos, plantas e animais nos próximos 25 anos.
O mais recente desses projetos (Foresight Project) tem o objetivo de detectar, identificar e monitorar epidemias, partindo do pressuposto que o diagnóstico precoce é a arma de escolha para contê-las prontamente, a custos razoáveis.
Para tanto, 300 especialistas levantam dados em 30 países e os camparam à realidade de três regiões geográficas: China (economia emergente), países africanos localizados abaixo do Saara (economias em desenvolvimento) e Reino Unido (economia desenvolvida).
Os técnicos identificaram oito categorias prioritárias de doenças infecciosas, em relação às quais sistemas de detecção precoce eficazes poderiam reduzir significativamente a incidência nos próximos 10 a 25 anos. São elas:
1. Doenças recentes, como a SARS (síndrome respiratória aguda grave), a doença da vaca-louca (encefalopatia espongiforme bovina) e novas variantes, como a gripe aviária causada pelo subtipo H5N1 que seguirá emergindo periodicamente.
2. Infecções que se tornam cada vez mais resistentes aos medicamentos disponíveis, como é o caso da tuberculose e do Staphylococcus aureus, causador de doenças que vão de furúnculos a pneumonias e septicemias.
3. Infecções transmitidas de animais domesticados ou selvagens para o homem: SARS, gripe aviária, peste, antrax e as diarréias causadas pelas bactérias Salmonella e Escherichia coli, responsáveis por boa parte da mortalidade infantil.
4. HIV/AIDS, tuberculose e malária, conhecidas como "Big Three", as três grandes causas de morte por moléstias transmissíveis nos países pobres.
5. Doenças epidêmicas de plantas, como o vírus do mosaico que ataca as plantações de mandioca e a praga das bananeiras, prevalentes no leste da África, região na qual vivem populações que chegam a retirar desses alimentos mais de 50% das necessidades energéticas.
6. Infecções respiratórias agudas, provocadas por inúmeras bactérias e vírus, que se instalam com gravidade em crianças e pessoas mais velhas.
7. Além da AIDS, outras doenças sexualmente transmissíveis que se disseminam pelo mundo afora com velocidade assustadora.
8. Doenças que atacam animais de interesse comercial: febre aftosa, febre suína clássica, gripe aviária e outras.
Viagens, migração e comércio são os principais fatores de risco para a disseminação das epidemias; particularmente a comercialização de espécies exóticas, animais ou vegetais. Mudanças nos costumes, no uso da terra, nas técnicas de agricultura e pecuária (e a urbanização desordenada) contribuirão para criar novos padrões de transmissão. Já as alterações climáticas terão impacto menor, ao menos nos próximos 25 anos.
O projeto prevê a criação de uma rede internacional de laboratórios de alta qualidade, para dar suporte ao pessoal técnico encarregado de detectar, identificar rapidamente e avaliar as características de cada surto epidêmico nos quatro cantos do mundo, numa fase em que a adoção de medidas preventivas simples seja suficiente para controlá-los.
No século 21, a vigilância sanitária se tornou responsabilidade internacional integrada, que requer investimentos coletivos. País nenhum pode se considerar imune às epidemias alheias.


Texto Anterior: Resumo das novelas
Próximo Texto: Mostra de Cinema de São Paulo inicia hoje a venda de pacotes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.