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DRAUZIO VARELLA
As epidemias do futuro
A vigilância sanitária é responsabilidade internacional e requer investimentos coletivos
AS DOENÇAS infecciosas resistem aos avanços da medicina:
respondem por uma em cada
quatro mortes que ocorrem no
mundo. Ao lado da tragédia humana, bactérias, vírus e fungos provocam perdas econômicas que a maioria dos países é incapaz de absorver.
O impacto econômico é resultante
não apenas da redução da expectativa de vida e das horas de trabalho
perdidas pelos que adoecem, mas do
prejuízo que bactérias, vírus e fungos causam à lavoura e à pecuária,
contribuindo para os agravos de
saúde associados à desnutrição.
Segundo estimativa do Banco
Mundial, a epidemia de SARS que
levou a óbito menos de 1.000 pessoas em 2003 provocou queda de
2% no Produto Nacional Bruto dos
países do leste asiático. Se uma pandemia de gripe aviária atingisse os
cinco continentes, seria capaz de
matar milhões de pessoas e dar um
prejuízo de 900 bilhões de dólares
num único ano.
Previsões tão nefastas motivaram
governos e agências internacionais
de saúde a criar programas para enfrentar a ameaça que essas enfermidades representarão para seres humanos, plantas e animais nos próximos 25 anos.
O mais recente desses projetos
(Foresight Project) tem o objetivo
de detectar, identificar e monitorar
epidemias, partindo do pressuposto
que o diagnóstico precoce é a arma
de escolha para contê-las prontamente, a custos razoáveis.
Para tanto, 300 especialistas levantam dados em 30 países e os
camparam à realidade de três regiões geográficas: China (economia
emergente), países africanos localizados abaixo do Saara (economias
em desenvolvimento) e Reino Unido (economia desenvolvida).
Os técnicos identificaram oito categorias prioritárias de doenças infecciosas, em relação às quais sistemas de detecção precoce eficazes
poderiam reduzir significativamente a incidência nos próximos 10 a 25
anos. São elas:
1. Doenças recentes, como a SARS
(síndrome respiratória aguda grave), a doença da vaca-louca (encefalopatia espongiforme bovina) e novas variantes, como a gripe aviária
causada pelo subtipo H5N1 que seguirá emergindo periodicamente.
2. Infecções que se tornam cada
vez mais resistentes aos medicamentos disponíveis, como é o caso
da tuberculose e do Staphylococcus
aureus, causador de doenças que
vão de furúnculos a pneumonias e
septicemias.
3. Infecções transmitidas de animais domesticados ou selvagens
para o homem: SARS, gripe aviária,
peste, antrax e as diarréias causadas pelas bactérias Salmonella e Escherichia coli, responsáveis por boa
parte da mortalidade infantil.
4. HIV/AIDS, tuberculose e malária, conhecidas como "Big
Three", as três grandes causas de
morte por moléstias transmissíveis nos países pobres.
5. Doenças epidêmicas de plantas, como o vírus do mosaico que
ataca as plantações de mandioca e
a praga das bananeiras, prevalentes no leste da África, região na
qual vivem populações que chegam
a retirar desses alimentos mais de
50% das necessidades energéticas.
6. Infecções respiratórias agudas, provocadas por inúmeras bactérias e vírus, que se instalam com
gravidade em crianças e pessoas
mais velhas.
7. Além da AIDS, outras doenças
sexualmente transmissíveis que se
disseminam pelo mundo afora
com velocidade assustadora.
8. Doenças que atacam animais
de interesse comercial: febre aftosa, febre suína clássica, gripe aviária e outras.
Viagens, migração e comércio
são os principais fatores de risco
para a disseminação das epidemias; particularmente a comercialização de espécies exóticas, animais ou vegetais. Mudanças nos
costumes, no uso da terra, nas técnicas de agricultura e pecuária (e a
urbanização desordenada) contribuirão para criar novos padrões de
transmissão. Já as alterações climáticas terão impacto menor, ao
menos nos próximos 25 anos.
O projeto prevê a criação de uma
rede internacional de laboratórios
de alta qualidade, para dar suporte
ao pessoal técnico encarregado de
detectar, identificar rapidamente e
avaliar as características de cada
surto epidêmico nos quatro cantos
do mundo, numa fase em que a
adoção de medidas preventivas
simples seja suficiente para controlá-los.
No século 21, a vigilância sanitária se tornou responsabilidade internacional integrada, que requer
investimentos coletivos. País nenhum pode se considerar imune às
epidemias alheias.
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