São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2010 |
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MARIO VARGAS LLOSA - ESCRITOR O Brasil merecia ter tido um Nobel DE SÃO PAULO
Para o peruano Mario Vargas Llosa, recém-anunciado
vencedor do Nobel de literatura, ao menos três brasileiros poderiam ter ganho o prêmio: Guimarães Rosa (1908-1967), Jorge Amado (1912-2001) e Euclydes da Cunha
(1866-1909). Nobel brasileiro Não está certo [que nenhum brasileiro tenha recebido o prêmio]. Deveriam ter recebido. Guimarães Rosa mereceria, sem dúvida. É um dos grandes escritores latino-americanos de seu tempo, pelo vigor e pela ambição da obra, pelo trabalho linguístico extraordinário. Um dos problemas que teve é que sua obra é muito difícil de traduzir. As traduções não conseguem estar à altura do que são os livros, sobretudo "Grande Sertão: Veredas", uma obra-prima absoluta. Amado no céu Jorge Amado teve grande reconhecimento universal. Dizia que a Academia Sueca não havia lhe dado o prêmio por ser tão popular. Quando começou a escrever, parecia um escritor velho. Seus primeiros romances são muito sérios, as pessoas quase não riem. Era mais ideológico, de denúncia social. À medida que envelhecia, rejuvenesceu como escritor. Euclydes e "Os Sertões" A mim impressionou tanto a história de Canudos quanto o caso do próprio Euclydes da Cunha, porque ele viveu essa guerra de uma maneira tão dramática e tão desgarrada que permitia ver até que ponto um país inteiro viveu um mal-entendido tão grande. É o que explica a matança. A matança é resultado desta incomunicabilidade entre dois segmentos, um moderno e outro primitivo. Com variantes, essas divisões dogmáticas intolerantes, intransigentes, estão por trás dos grandes desgarramentos, das grandes tragédias sociais e políticas que a América Latina viveu em sua história. Talvez por isso me fascinou tanto esse livro de Euclydes da Cunha. Porque, lendo-o, entende-se não só o que passou, mas a América Latina. Negação da realidade A literatura é uma refutação da realidade, queira ou não o escritor. Se estivéssemos contentes com o mundo tal como é, com a vida tal como é, não inventaríamos outro mundo. Para quê? Literatura e ditadura Um bom leitor de literatura é uma pessoa inquieta frente ao mundo e à realidade. Isso sempre foi muito bem entendido pelas ditaduras, todas. Porque não há ditadura que não queira controlar essa atividade que é a criação de mundos fictícios. Têm uma desconfiança natural pela literatura. Intuem que nela há algo perigoso. E creio que têm razão. Há algo perigoso na quimera que é a literatura. Jornalismo e ficção Não teria escrito boa parte dos livros que escrevi não fosse o jornalismo. Foi uma fonte maravilhosa de experiências. Para um jornalista, a linguagem tem que ser inevitavelmente um meio. Para o escritor, também, mas, ao mesmo tempo, do ponto de vista estético, é sempre um fim. Vale por si mesma. Chega de ditadores [Questionado se o presidente da Venezuela, Hugo Chávez seria um bom personagem] Escrevi bastante sobre ditadores. Escrevi "Conversação na Catedral" sobre a ditadura de [Manuel] Odría [que vigorou no Peru entre 1948-1956]. "A Festa do Bode" sobre a ditadura de [Rafael] Trujillo [na República Dominicana, 1930-1961]. Creio que Chávez é como um híbrido de Odría, de Trujillo. Quando se escreve sobre um ditador, escreve-se sobre todos. Os ditadores se repetem como maníacos. Não tenho vontade de escrever mais sobre ditadores. García Márquez [Questionado se o colombiano, com quem tem desavença, o cumprimentara pelo Nobel] Esse é um tema que vamos deixar para nossos biógrafos, se os merecermos. Texto Anterior: Música: Caixa de Michael Jackson terá clipe inédito Próximo Texto: Agenda no Brasil: Nobel fará palestra em Porto Alegre Índice | Comunicar Erros |
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