São Paulo, quarta, 14 de outubro de 1998

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161 filmes, 37 países; começa a Mostra de SP


Uma das grandes atrações da 22ª edição do evento é a vinda à cidade do revolucionário diretor iugoslavo Dusan Makavejev, que ganhará retrospectiva com dez de suas obras; da França, o cineasta falou à Folha


MARIANE MORISAWA
da Redação

A 22ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa hoje no Sesc Vila Mariana, abarca números gigantes: 161 filmes de 37 países, da Inglaterra à Mongólia, do Irã ao Quirguistão.
Sempre grandes atrações, as retrospectivas têm destacada presença nesta Mostra: oito filmes do iraniano Dariush Mehrjui, 13 do mestre japonês Kenji Mizoguchi e dez do revolucionário iugoslavo Dusan Makavejev.
O diretor, que redescobriu a obra do sexólogo Wilhelm Reich nos anos 70, é autor de obras controvertidas, divertidas e renovadoras como "Sweet Movie" e "Montenegro", vencedor da 5ª Mostra. Makavejev, que vem pela segunda vez ao festival paulistano, falou à Folha, por telefone, de Paris.

Folha - Nos anos 70, seu filme "W.R. - Os Mistérios do Organismo" influenciou muitas pessoas ao redescobrir a obra de Wilhelm Reich. O sr. acha que a sexualidade ainda é encarada como um tabu?
Dusan Makavejev -
Ainda há cantos conservadores, primitivos na sociedade. Perigosa é a hipocrisia, como, por exemplo, o que está acontecendo hoje na América. Há esse grupo hipócrita, corrupto, que está usando o sexo para tomar o poder.
Folha - Em seus filmes, muitas vezes as mulheres exercem o papel de revolucionárias. Por quê?
Makavejev -
As mulheres são um assunto mais rico para um filme. Primeiro, porque sua feminilidade é, em muitos aspectos, território não-descoberto. E também eu acredito que as mulheres são mais corajosas e espertas do que os homens. Em geral eles são retratados como os heróis, mas não é necessariamente assim. É uma pena que o cinema americano seja sempre centrado no homem.
Folha - Qual o cinema que interessa mais ao senhor?
Makavejev -
São os filmes que abrem novas visões, novos temas, novos modos de contar as coisas. Os jovens têm apresentado alguns filmes que não são esteticamente coerentes, que passam de um estilo a outro. Por causa da indústria, o cinema sempre foi forçado a fazer histórias sobre pessoas, muito frequentemente caindo no teatro filmado. Quando o diretor conta a história de uma forma diferente e deixa o espectador sem respostas, e ele tem que lutar para descobri-las, esse é um bom filme.
Folha - O sr. costumava dizer que o cinema de que gostava mais era aquele que lia todos os dias nos jornais. De onde o sr. tira as histórias de seus filmes?
Makavejev -
Lendo os jornais, você vê dez histórias todos os dias. Gosto dos momentos paradoxais, instantes que, mesmo que traiam, premiam as pessoas com boas surpresas. Infelizmente, eu não tenho trabalhado, porque está mais e mais difícil achar produtores.
Folha - O que aconteceu recentemente em seu país era previsível?
Makavejev -
Não, não era. Depois da queda do Muro, a Iugoslávia era, dos países do Leste Europeu, a mais equipada para mudar para uma democracia. Foi quando Milosevic entrou no cenário, um homem de qualidades diabólicas múltiplas. Sua maior luta é contra os próprios sérvios, porque a maior parte deles é construtiva, inovativa, é uma cultura viva, e ele infectou essa cultura com sentimentos de ódio, inveja, ambição.
Folha - O que o sr. revela no autobiográfico "Buraco na Alma"?
Makavejev -
Eu acho que o que dá para detectar lá, se você olhar muito cuidadosamente, é que há uma grande tristeza. Existe uma tristeza que eu não sabia como revelar, então eu a escondi em alguns cantos do filme. Eu vivi fora de Belgrado tantos anos e já disse muitas vezes que Paris é o melhor subúrbio de Belgrado. Todas as manhãs, eu descia e comprava um jornal de lá. Hoje, não posso nem fazer isso. Para mim, Belgrado é uma cidade viva, cheia de criatividade, e ver isso tudo destruído é muito triste.



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