São Paulo, quarta, 14 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE
Evento retoma vocação

AMIR LABAKI
de Nova York

Com a radical redução da oferta de cinema de arte em São Paulo, devido tanto à retração dos distribuidores quanto à timidez dos exibidores, a Mostra Internacional de Cinema recupera nesta 22ª edição seu papel desbravador. Para a maioria dos filmes selecionados, a estréia nas telas paulistanas pode ser também a despedida. Assim, para quem não se conforma com o tédio do circuito comercial, é chegada a hora mágica de se submeter à "roleta russa" da mostra.
O desenho do festival manteve-se essencialmente o mesmo. A maior novidade a saudar é o significativo aumento do número dos títulos nacionais. Uma dívida antiga começa finalmente a ser resgatada.
A ênfase geral permanece sobre as revelações. Não me surpreenderia se os nomes deste ano fossem o alemão Tom Tykwer ("Winter Sleepers - A Neve por Testemunha"), o americano Darren Aronofsky ("Pi"), o dinamarquês Thomas Vinterberg ("Festa de Família") e o romeno Radu Mihaileanu ("Trem da Vida").
Reafirmando a força de Cannes, dos seis títulos obrigatórios desta mostra, cinco foram lançados no festival da Riviera francesa. "A Eternidade e um Dia" é o mais suave dos filmes de Theo Angelopoulos e lhe valeu uma merecida Palma de Ouro. Melhor mesmo, só "Felicidade", de Todd Solondz, um devastador painel da desordem sexual nos EUA.
Embora force o registro gay na reconstituição da cena pop britânica do início dos anos 70, "Velvet Goldmine" reafirma a exuberância visual do cinema de Todd Haynes. Já o formosino Hou Hsiao-Hsien devassa o cotidiano das cortesãs chinesas no final do século 19 no deslumbrante "Flores de Shanghai". Nanni Moretti, por sua vez, estréia como pai na retomada de seu diário filmado no simpático "Abril". A exceção, por fim, é o policial "Carne Trêmula". Há muito, talvez desde "A Lei do Desejo", que Pedro Almodóvar não demonstrava similar astúcia narrativa.
A mostra revela-se também sensível à ascensão do documentário, aumentando também o espaço para o gênero. Nem todos os títulos são inéditos, como o argentino "Tinta Roja" e o sueco "Sonhos Gelados". A média da seleção, estes incluídos, é alta.
Dois retratos se destacam. O argentino Tristán Bauer venceu Havana-97 com seu poderoso "Evita, la Tumba Sin Paz". Já a alemã Jutta Brueckner assina o mais provocativo cine-ensaio celebratório do centenário de Brecht, "Bertolt Brecht -Amor, Revolução e Outros Perigos".
Vale conferir dois dos destaques não-ficcionais do Sundance-98. "Modulações", da brasileira radicada em Nova York Iara Lee, sintetiza a história da música eletrônica. Já os silêncios dizem tudo no retrato da própria família feito por Julia Loktev, em "Momento de Impacto".



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.