São Paulo, segunda-feira, 14 de novembro de 2005

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MÚSICA

Organizada pelo jornalista Silvio Essinger, edição traz fotografias e textos inéditos, além de CD com gravações raras

Livro remexe na memória de Raul Seixas

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Em um rompante de 1978, Raul Seixas afirmou: "Não sou cantor nem compositor. Uso a música para dizer o que penso." Cantor e compositor absolutamente original e pensador absolutamente caótico -e por causa disso interessantíssimo muitas vezes- Raul não poderia ser tema de nada que fosse linear e previsível. "O Baú do Raul Revirado" (R$ 45, 232 págs.), que chega às livrarias, comprova isso.
Para a Ediouro, dar ao livro uma cara de almanaque pode até ser uma tentativa de posicioná-lo na cola do sucesso de "Almanaque Anos 80". Para a viúva Kika Seixas, idealizadora do projeto, e para o jornalista Silvio Essinger, organizador do material, o formato é coerente com o que foi e fez Raul em seus 44 anos (1945-1989) de metamorfose ambulante.
"É um livro do Raul. Com os textos dele, a estética dele. Não poderia ser asséptico, tinha que ter sujeira", resume Essinger.
O "Revirado" do título indica que este "Baú" é continuação do primeiro, de 1992. Na época, o crítico Tárik de Souza organizou os textos, poemas e bilhetes que o compositor escreveu ao longo da vida. Além da reviravolta gráfica, a nova edição traz mais escritos -em parte tirados de "As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor", editado por Paulo Coelho em 1983- um CD com seis gravações raras e muito mais imagens (cerca de mil).
Entre elas, curiosidades como fotos do "álbum de bebê" do futuro roqueiro, a reprodução do envelope que Raul lacrou na infância e disse que só poderia ser aberto no dia de sua morte -o que foi feito por sua mãe, que encontrou apenas moedas e notas velhas- e a carteirinha do Elvis Rock Club, do qual foi um dos fundadores em Salvador.
"Nós fotografamos os cadernos da infância e da adolescência, quando escrevia sobre Elvis. Eram organizados, quase agendas de menina", brinca Essinger.
E coube ao jornalista, a pedido de Kika, dar um pouco mais de ordem ao caos. Ele dispôs o material cronologicamente, abriu os capítulos com notas biográficas e escreveu pequenas críticas sobre todos os discos de Raul, partindo de "Raulzito e Os Panteras" até chegar ao trabalho com o conterrâneo Marcelo Nova. Há, ainda, comentários a respeito de participações significativas do cantor.
É o caso de "Carimbador Maluco", faixa do telemusical infantil "Plunct Plact Zum" que, em 1983, ajudou a conter a descida ladeira abaixo de Raul, que enfrentou na última década de vida a corrosão do alcoolismo e o sensacionalismo de parte da imprensa.
"Raul tinha o projeto claro de ser uma estrela. E descobriu o caminho da música popular. Mas era uma relação conturbada com o sucesso, que lembra um pouco as de Renato Russo e Kurt Cobain", diz Essinger.
Os altos e baixos são exemplificados por anotações do adolescente ("O maior desejo meu!!! Ser popular no mundo inteiro ou ser "artista de cinema" ou cantor. Quando eu passasse pelas ruas, mil garotas avançavam em mim beijando-me... eta pau!!") e do adulto envelhecido ("Estou magoado por não ouvir minhas músicas tocando nas rádios nem ser chamado para programas de televisão. Eles me esqueceram.").
Mas, em meio a muitos textos depressivos, do baú saem pensamentos de esperança do artista que sonhou uma "sociedade alternativa". "Todo homem e toda mulher é uma estrela", grita no CD encartado no livro.


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