São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 2006

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Crítica/dança

Quasar conduz trama pueril com gestual rico

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

No último sábado, estreou em São Paulo, no Teatro Alfa, "Uma História Invisível", coreografia de Henrique Rodovalho para a Quasar Cia. de Dança. Rodovalho se inspirou nos cinco sentidos ao tratar da complexidade das relações humanas e procurou contar uma história, com estrutura narrativa, dividida em três atos.
Os cinco sentidos são vistos de forma ambígua, naquilo que poderiam despertar: não o que está imediatamente à nossa frente, mas aspectos que se deixam apreender por eles. O corpo conduz os fios que o religam a si mesmo e ao seu redor. Um eixo narrativo -"o relacionamento conflituoso entre a
visão e o tato"- não foge a uma obviedade assumida pelo coreógrafo. Nem por isso deixa de contrastar com a riqueza e engenhosidade dos movimentos do corpo e da cena.
É verdade que uma briga em que a visão arranca pedaços da pele talvez seja alegórica demais. A entrada da visão caminhando de venda nos olhos também. Mas, se por um lado a história assume forma pueril, por outro a intensidade dos gestos garante outro tipo de envolvimento.
Mesmo com esse tipo de narrativa mais direta, o que predomina no espetáculo são os ordenamentos espaciais, compassando a continuidade do mundo por meio das modulações gestuais e da comunica- ção entre os vários elementos da cena.
Os movimentos característicos de Rodovalho -articulações, torções e acentos- multiplicam as dobraduras e conferem espessura à peça. Os corpos tensionados, arqueados ou estirados em deslocamento criam novas superfícies de contato e acentuam sua presença, marcando o espaço a fundo.

Percepções diferenciadas
A última coreografia do grupo, "Só Tinha de Ser com Você" (2005), inspirado nas canções do álbum "Elis & Tom", articulava uma narrativa nas letras das canções e outra trama nos corpos. Neste ano, as músicas vão do piano de Arvo Pärt para as sonoridades eletrônicas do brasileiro Amon Tobin e as texturas japonesas de Ryuichi Sakamoto e Kodo, criando percepções diferenciadas.
Os variados timbres e acentos musicais que marcam as personagens conduzem a atenção para determinado sentido, provocando um novo contato com quem vê. A música retorna com seus personagens, em ciclos de tensão narrativa.
A cenografia de Letycia Rossi e a luz de Rodovalho dramatizam três estações: outono, inverno e primavera. No cenário, muitos fios que povoam o palco em toda sua extensão criam um jogo entre profundidade e superfície, complementado pela disposição dos bailarinos em zonas escuras, quase esmaecidas, ou partes luminosas, que se acentuam com a presença da visão. As cores do figurino, de Cássio Brasil, e da luz regem a variação da temperatura no espetáculo.
A cada criação, Rodovalho busca novas possibilidades de articulação. Em "Uma História Invisível" a procura de uma narrativa polariza os embates que estruturam sua obra, deixando em aberto o resumo (de resto impossível) sobre a batalha amorosa dos sentidos.


UMA HISTÓRIA INVISÍVEL    

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