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Artigo/artes plásticas
O vazio não deve ser visto como o nada
O crítico Marcio Doctors explica o seu projeto curatorial para a 28ª Bienal de São Paulo e os motivos de sua retirada
MARCIO DOCTORS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Como estive envolvido
durante dois meses nas
negociações da 28ª Bienal Internacional de São Paulo,
gostaria de tornar pública minha participação neste processo e expressar meu ponto de
vista a respeito do projeto e das
soluções que eu e Ivo Mesquita
apresentamos, visando solucionar o impasse em que a Bienal se encontra.
Ao juntar esforços e dividir a
curadoria, nossa intenção era
enfrentar a falta de tempo que
teríamos para a realização da
próxima Bienal. Após análise
dos dois anteprojetos, decidimos juntá-los e propor uma
conferência e uma exposição,
cujo tema seria o vazio.
Nossa primeira idéia foi a de
manter a conferência, nos moldes tal como está sendo divulgado, e uma exposição sobre o
vazio no segundo andar do Pavilhão.
Como as negociações avançavam lentamente para o pouco tempo que restava e como ficava cada vez mais evidente
que havia limitações financeiras que inviabilizariam os custos de uma Bienal "completa",
julgamos que seria oportuno
dividir a 28ª Bienal em duas
etapas: em 2008, uma conferência, e, em 2010, uma exposição. O que ligaria estes dois momentos seria o tema do vazio.
Em 2008, a exposição do vazio como manifesto espacial
-esta é a razão do segundo andar vazio- e como gesto radical
de afirmação de que a Bienal
instauraria o vazio para se repensar. Importante: o educativo trabalharia com a idéia do
vazio como a energia que permite a invenção na arte; e a conferência incluiria uma linha de
trabalho sobre o tema, fortalecendo o conceito da segunda
etapa.
Em 2010, a exposição sobre o
vazio. Preenchendo e justificando o gesto inaugural da primeira etapa e consolidando a
pertinência da proposta, a
apresentação do vazio como
uma instância ativa e não niilista -como o outro que propicia
que as coisas aconteçam no
processo inventivo da arte. A
exposição estaria estruturada
em 3 núcleos:
1- O sempre outro. Artistas
que não temem o imponderável e o mistério e que buscam
na mudança o fio condutor de
seu pensamento plástico. Este
núcleo teria como centro a artista Lygia Pape.
2- O vazio ativo (Mira Schendel). O vazio como elemento
ativo na constituição da obra
plástica e do processo de invenção do artista e que garante a
dimensão metafísica da obra de
arte como imanência e não como transcendência.
3 - Rede de afetos. A arte como forma de dissolver o massacre do cotidiano e estrutura capaz de rearticular as relações
do homem com o mundo, ao
trazer à superfície da visibilidade, situações que são percebidas como invisíveis.
A Bienal em duas etapas tinha como objetivo imediato resolver as limitações econômicas e de tempo que a Fundação
Bienal nos apresentou. Haveria
três anos para realizar a 28ª
edição de maneira tranqüila e
conseqüente. E como objetivo
conceitual, explicitar que no
processo inventivo da arte o
"vazio" não pode e não deve ser
confundido com o nada porque
é a possibilidade de tornar visível, o invisível.
Durante todo o processo de
negociação fui buscando soluções que abrissem portas e que
permitissem superar as dificuldades porque meu compromisso fundamental é com a Bienal.
Na última reunião, o presidente da Fundação Bienal, Manoel Pires da Costa, declarou
que não tinha como garantir o
projeto da 28ª Bienal em duas
etapas e que só poderia se comprometer com a conferência
em 2008. Diante deste fato, de
fragmentar o projeto original,
julguei que seria mais coerente
me retirar porque não via sentido dissociar o projeto da conferência e da exposição do segundo andar vazio (2008) de
uma exposição sobre o vazio
(2010).
MARCIO DOCTORS é crítico de arte e curador da
Fundação Eva Klabin
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