São Paulo, quarta-feira, 14 de novembro de 2007

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Artigo/artes plásticas

O vazio não deve ser visto como o nada

O crítico Marcio Doctors explica o seu projeto curatorial para a 28ª Bienal de São Paulo e os motivos de sua retirada

MARCIO DOCTORS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como estive envolvido durante dois meses nas negociações da 28ª Bienal Internacional de São Paulo, gostaria de tornar pública minha participação neste processo e expressar meu ponto de vista a respeito do projeto e das soluções que eu e Ivo Mesquita apresentamos, visando solucionar o impasse em que a Bienal se encontra.
Ao juntar esforços e dividir a curadoria, nossa intenção era enfrentar a falta de tempo que teríamos para a realização da próxima Bienal. Após análise dos dois anteprojetos, decidimos juntá-los e propor uma conferência e uma exposição, cujo tema seria o vazio.
Nossa primeira idéia foi a de manter a conferência, nos moldes tal como está sendo divulgado, e uma exposição sobre o vazio no segundo andar do Pavilhão.
Como as negociações avançavam lentamente para o pouco tempo que restava e como ficava cada vez mais evidente que havia limitações financeiras que inviabilizariam os custos de uma Bienal "completa", julgamos que seria oportuno dividir a 28ª Bienal em duas etapas: em 2008, uma conferência, e, em 2010, uma exposição. O que ligaria estes dois momentos seria o tema do vazio.
Em 2008, a exposição do vazio como manifesto espacial -esta é a razão do segundo andar vazio- e como gesto radical de afirmação de que a Bienal instauraria o vazio para se repensar. Importante: o educativo trabalharia com a idéia do vazio como a energia que permite a invenção na arte; e a conferência incluiria uma linha de trabalho sobre o tema, fortalecendo o conceito da segunda etapa.
Em 2010, a exposição sobre o vazio. Preenchendo e justificando o gesto inaugural da primeira etapa e consolidando a pertinência da proposta, a apresentação do vazio como uma instância ativa e não niilista -como o outro que propicia que as coisas aconteçam no processo inventivo da arte. A exposição estaria estruturada em 3 núcleos:
1- O sempre outro. Artistas que não temem o imponderável e o mistério e que buscam na mudança o fio condutor de seu pensamento plástico. Este núcleo teria como centro a artista Lygia Pape.
2- O vazio ativo (Mira Schendel). O vazio como elemento ativo na constituição da obra plástica e do processo de invenção do artista e que garante a dimensão metafísica da obra de arte como imanência e não como transcendência.
3 - Rede de afetos. A arte como forma de dissolver o massacre do cotidiano e estrutura capaz de rearticular as relações do homem com o mundo, ao trazer à superfície da visibilidade, situações que são percebidas como invisíveis. A Bienal em duas etapas tinha como objetivo imediato resolver as limitações econômicas e de tempo que a Fundação Bienal nos apresentou. Haveria três anos para realizar a 28ª edição de maneira tranqüila e conseqüente. E como objetivo conceitual, explicitar que no processo inventivo da arte o "vazio" não pode e não deve ser confundido com o nada porque é a possibilidade de tornar visível, o invisível.
Durante todo o processo de negociação fui buscando soluções que abrissem portas e que permitissem superar as dificuldades porque meu compromisso fundamental é com a Bienal. Na última reunião, o presidente da Fundação Bienal, Manoel Pires da Costa, declarou que não tinha como garantir o projeto da 28ª Bienal em duas etapas e que só poderia se comprometer com a conferência em 2008. Diante deste fato, de fragmentar o projeto original, julguei que seria mais coerente me retirar porque não via sentido dissociar o projeto da conferência e da exposição do segundo andar vazio (2008) de uma exposição sobre o vazio (2010).


MARCIO DOCTORS é crítico de arte e curador da Fundação Eva Klabin

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